Sabemos que o abortamento representa um grave problema de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que ocorram mais de um milhão de abortamentos induzidos ao ano no Brasil, sendo uma das principais causas de morte materna no país.
Os abortos espontâneos também têm alta prevalência. Eles ocorrem em 10 a 20% das gestações, sendo que 80% são no primeiro trimestre.
A incidência varia conforme idade. Para ter ideia, as taxas de aborto clínico para mulheres entre 20 e 30 anos é de 9% a 17%, aumentando para 20% aos 35 anos, 40% aos 40 anos, e 80% aos 45.
Em mulheres que não tiveram filhos, após um primeiro aborto, a probabilidade de um segundo acontecer é de 19%. Se houve dois abortos anteriores, o risco de um terceiro sobe para 35%. Agora, se ocorreram três abortos, a chance de um quarto salta para 47%.
Entre as causas mais comuns e frequentes descritas na literatura para justificar abortos espontâneos aparecem problemas de ordem genéticas, diabetes mellitus, distireoidismo, deficiência de progesterona ou fase lútea insuficiente, além de síndrome dos ovários policísticos e infecções bacterianas.
A obesidade também é um fator importante, levando a piores resultados obstétricos.
Independentemente do motivo por trás de um aborto, o fato é que há um alto impacto para a saúde mental – intensificado pela invisibilidade e os tabus em relação às perdas e os lutos.
Trata-se de um cenário que demanda intervenção urgente em saúde.
Gestação e vulnerabilidade emocional
Não são só as mulheres que passaram por um aborto que precisam de uma atenção especial à saúde emocional. Diferente do que se acreditava antigamente, a gestação não é fator protetivo para desfechos desfavoráveis nesse sentido.
O período perinatal (que começa no planejamento reprodutivo e gestação e segue no parto e puerpério) é um momento de maior vulnerabilidade emocional.
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Sabemos também que o entorno social, que presume que a mulher se realize com a maternidade, compõe um cenário pouco acolhedor para aquelas que não desejam ter filhos, apresentam dificuldades reprodutivas, possuem diagnóstico de infertilidade e atravessam uma perda gestacional ou luto neonatal.
Pesquisas apontam que atuar na saúde mental na fase perinatal, de forma profilática e oportuna, produz um melhor prognóstico e evita uma cascata de desfechos que pode afetar toda a constituição da família.
Como melhorar o cenário
É necessária a criação de um protocolo que capacite tecnicamente os profissionais que lidam com o cuidado da gestante e garanta o fluxo de acompanhamento.
Esse documento também precisa abordar a importância da assistência contínua quando há perdas, óbitos e lutos neonatais. O Brasil ainda prescinde de um protocolo hospitalar de assistência ao luto – e ele deve atender a todos, como pessoas em situação de vulnerabilidade por raça, classe social ou gênero.
Esse cuidado faz com que as famílias que perdem seus bebês atravessem situações pouco acolhedoras e, muitas vezes, até violentas em espaços hospitalares.
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O olhar cuidadoso para a saúde mental precisa acontecer desde o planejamento reprodutivo e durante o pré-natal, seguindo no pós-natal, com consultas periódicas com psicólogos treinados.
Nesses encontros, é essencial que a família receba informações atualizadas e baseadas em evidências científicas, favorecendo suas escolhas na jornada perinatal de forma livre e esclarecida.
Também é fundamental realizar o rastreamento dos contextos de risco para desfechos desfavoráveis à saúde mental. Isso significa, por exemplo, mirar em aspectos como histórico de depressão familiar anterior, baixo suporte social, parentalidade solo, perdas gestacionais ou lutos neonatais anteriores e realização de reprodução humana assistida.
Poder identificar oportunamente os contextos de risco faz com que possamos, enquanto assistência, desenvolver um plano de ação transdisciplinar coordenado que inclua profissionais especializados, assim como acionar uma rede de suporte social para a gestante, se necessário.
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Temos muita dificuldade de lidar socialmente com o luto neonatal e as perdas gestacionais. Falas como “relaxa que logo você engravida de novo”, e “Deus sabe o que faz,” entre outras do tipo, silencia e potencializa o sofrimento das famílias enlutadas.
Validar o sofrimento de todos, ritualizar, dar tempo para a família decidir sobre as vias de parto e se despedir do seu filho são atitudes fundamentais e humanas.
Juliana Tfauni é psicóloga e responsável técnica e supervisora de saúde mental da Theia, plataforma de cuidados online focada em preconcepção, pré-natal, parto e pós-parto.
Precisamos cuidar da saúde emocional de quem sofre um aborto Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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