Quando criança, era tão magro que minhas costelas ficavam bem à mostra. Mas, aos 7 anos de idade, comecei a ganhar peso. A princípio, o corpo que ganhava volume era elogiado carinhosamente. “Agora o menino está ficando fortinho”, diziam alguns familiares.
Mas continuei engordando, e os elogios foram substituídos por alertas, cada vez mais severos.
O afeto virou chacota e repúdio. Parecia que eu tinha cometido um erro grave e não fazia ideia de como corrigi-lo.
Na adolescência, eu achei que estava na hora de agir. Comecei com um regime que levava o nome da mais renomada instituição de ensino do país: a Dieta da USP (alerta: tempos depois, a própria Universidade de São Paulo informou que esse método não saiu de lá e não era saudável).
Eu consegui sustentar o padrão alimentar restritivo por um bom tempo, e até emagreci. Mas uma hora não suportei mais seguir com um comportamento que odiava e a fome cada vez mais intensa tomou conta de mim.
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Aí entrei em um círculo vicioso. Com desejo de emagrecer, mas sem saber o que fazer, tentei diferentes métodos mirabolantes, acreditando que meus fracassos eram uma questão de falta de empenho.
Não eram, e hoje eu sei disso – mas cada vez que eu, digamos, recaía, sentia-me um fracassado.
Então resolvi dar um passo além e fui em busca da medicação. O medicamento que usei é relativamente seguro e me fez bem, mas minha família não conseguiu arcar com os custos no médio prazo.
Eu não venho de uma família rica, e esse tratamento estava comprometendo significativamente nossa renda.
Sem conseguir pagar o remédio ou outros procedimentos igualmente caros, a fome não perdoava. Eu estava assustado, mas não suportava mais tentar dietas da moda ou restrições absurdas.
Então, comecei a me esconder para evitar brincadeiras e agressões. Rodas de conversa, festas, eventos… eu fugia de tudo.
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Uma vez, o professor de educação física resolveu medir o peso dos alunos. O desespero tomou conta de mim, e implorei para que ele não coletasse meu peso.
Mas ele coletou – e a turma logo me cercou. Meus “colegas” gritavam, riam e até me empurravam e chutavam.
E o professor? A princípio, ele me olhou como que para dizer: “Isso é para o seu bem”. Mas uma hora a raiva tomou conta de mim, e devolvi as agressões. Só aí ele interviu e me pediu desculpas. Ou seja, só depois que tudo virou um show de horrores.
Episódios como esse me fizeram ver que eu precisava encontrar respostas para a minha obesidade, e sobre como manejar adequadamente essa situação.
Pensando em mim e em outros que sofreram também, escolhi estudar Nutrição na faculdade.
Eu não posso reclamar da minha turma, da maioria dos professores e nem mesmo da instituição. Ali, fui apresentado à complexidade da obesidade, que inclui fenômenos biológicos, psicológicos, epidemiológicos e de saúde pública.
Só uma vez uma professora tentou alegar que o meu corpo manchava a imagem da instituição. Porém, ao falar com os responsáveis do curso, ela pediu desculpas e tentou adotar um comportamento diferente.
Eu estava graduado e cheio de esperança. Mas as entrevistas de emprego me arrasaram. Toda vez eu tinha que me justificar por ser nutricionista e gordo. “Como você explicaria isso para as pessoas?”, era a pergunta que me faziam frequentemente.
Abalado e sem dinheiro em um momento financeiro especialmente complicado da minha família, achei que era melhor desistir. Foi quando tentei o suicídio.
Durante a recuperação, minha família afirmou que eu deveria me dar uma nova chance.
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Segundo eles, talvez a cirurgia bariátrica fosse uma boa opção. Nessa trajetória, vi outra vez como o dinheiro faz a diferença.
O convênio da família custava R$ 4 mil e, ainda assim, eu era cobrado por fora. Quando dizia não ter dinheiro, era convidado a buscar ajuda em outro lugar.
Mesmo com todos os laudos necessários, demorei anos até encontrar uma equipe justa, ética e humana em Suzano, na Grande São Paulo, e realizar a operação.
Bariátrica feita, corpo magro e vida de sucesso? Nada disso.
Eu emagreci consideravelmente, mas meu corpo continuou gordo. Agora, as críticas em entrevistas de trabalho passavam pelo “ah, então foi a bariátrica que te emagreceu”.
Em um cenário onde a obesidade é vista como sinônimo de preguiça e falta de cuidado, eu não conseguia me colocar no mercado de trabalho.
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Quando isso mudou? Foi no dia em que comecei a denunciar a forma injusta com a qual a obesidade é tratada.
Nós não temos nada, arcamos com tudo e ainda assim dizem: “Mas se você tivesse se esforçado, não estaria assim”.
Como eu disse, a obesidade é resultado de diferentes processos. Não é simples nem barato adotar o chamado “estilo de vida saudável” e, em muitos casos, a pessoa se exercita e reduz a ingestão calórica, mas ainda assim não chega ao padrão de magreza.
Hoje, eu sei disso e cuido dos meus pacientes com carinho para que eles se encontrem. E divulgo essa e outras ideias nas minhas redes sociais, no perfil Nutricionista Gordo.
*Erick Cuzziol é nutricionista, especialista em comportamento alimentar, criador do perfil Nutricionista Gordo, no Instagram e no Twitter, e consultor de obesidade da associação Crônicos do Dia a Dia (CDD)
Por que me tornei o “Nutricionista Gordo” Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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