Para a maioria das pessoas, a palavra “diabetes” se relaciona quase que exclusivamente a “açúcar”, “glicose” e “carboidrato”.
Ainda não está tão disseminada a noção de que a gordura e o peso corporal influenciam diretamente o aparecimento e o descontrole do diabetes tipo 2, aquele que afeta 90% dos indivíduos com a condição.
Mas posso dizer que essa doença e a obesidade são como irmãs — a ponto de especialistas terem criado um termo para reuni-las, “diabesidade”.
E, não à toa, cada vez mais se valoriza o papel do emagrecimento no tratamento do diabetes. Esse, aliás, foi o tema central do último encontro anual da Associação Americana de Diabetes (ADA).
Dos cinco grandes estudos apresentados na ocasião, quatro abordavam o impacto da perda de peso no controle do problema que ganhou fama por fazer o açúcar disparar no sangue.
Segundo o Atlas da Federação Internacional de Diabetes, o Brasil é o sexto país com maior número de cidadãos com a doença. Se colocarmos uma lupa sobre os 15 milhões de pessoas com diabetes tipo 2 por aqui, veremos que nove em cada dez apresentam sobrepeso ou obesidade.
Essa correlação é frequente porque o ganho de peso atrapalha o trabalho da insulina e, consequentemente, dificulta o uso da glicose pelas células.
Não é de espantar, portanto, que já tenhamos evidências científicas de que controlar o peso possa retardar a progressão do pré-diabetes para diabetes em si e que a eliminação de pelo menos 5% do peso inicial já reverta em melhor controle glicêmico.
Não é pouca coisa: calculamos que mais da metade dos pacientes com diabetes tipo 2 não consigam manter os níveis de açúcar no sangue dentro das metas, o que, no longo prazo, aumenta o risco de uma porção de males, como cegueira, amputações, insuficiência renal, infarto e derrame.
Sabemos também que aderir a mudanças no estilo de vida e aos tratamentos disponíveis permanece um desafio para desinflar esses índices catastróficos da diabesidade.
Por isso, é animadora a perspectiva de novos medicamentos capazes de aprimorar o controle do peso e do diabetes e ampliar o arsenal médico para uma abordagem mais efetiva e personalizada. E foi nesse campo que o congresso da ADA semeou boas notícias. Em resumo, o tratamento dessas condições está prestes a vivenciar uma revolução com o que vem por aí.
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Retatrutida, tirzepatida e outros tratamentos no horizonte
Começo falando de uma nova classe de medicamentos para essa finalidade, a dos agonistas de GLP-1, GIP e glucagon. Trata-se da retatrutida, remédio injetável e semanal que simula a ação de três hormônios naturais. Em um dos estudos clínicos, ele levou a uma perda média de 24% do peso em 48 semanas.
Os pacientes apresentavam em torno de 107 quilos no início do experimento e emagreceram mais de 25 quilos. Um feito e tanto!
Além desse resultado expressivo, a retatrutida também diminuiu significativamente a glicemia e a gordura no fígado. Pesquisas em andamento devem confirmar o potencial da categoria para inaugurar uma nova fronteira diante da diabesidade e dos problemas que costumam acompanhá-la.
Outra medicação de destaque, esta mais próxima da nossa realidade, é a tirzepatida.
Ela tem uma dupla ação, interferindo na atuação de dois hormônios produzidos pelo nosso intestino, o GIP e o GLP-1. Ao influenciar essa orquestra bioquímica, o remédio reduz os níveis de açúcar no sangue e o peso corporal — fatores cruciais para conter o diabetes.
No evento da ADA, foram apresentados os resultados finais de um estudo que avaliou a tirzepatida para o tratamento da obesidade em pessoas com diabetes.
O resultado foi a perda de peso de 15,7% nesse grupo de pacientes, que normalmente têm dificuldade de emagrecer. O remédio, uma injeção semanal, já foi submetido à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e esperamos ansiosos sua chegada ao mercado.
Também ganhou evidência um fármaco chamado orforglipron, um agonista de GLP-1 de uso oral que não requer jejum para ser ingerido e demonstrou efeito na perda de peso em um curto período.
Os voluntários que o tomaram emagreceram 15% em 36 semanas — outra pesquisa atestou queda importante na hemoglobina glicada, exame que dá uma média da glicemia no último trimestre.
Mais conhecida do público, a semaglutida oral foi alvo de uma investigação que demonstrou a superioridade de uma dosagem maior (50 mg) do fármaco no tratamento do excesso de peso.
No arsenal do futuro, também poderemos contar com um medicamento inédito que combina, na mesma caneta de injeção, a semaglutida com a cagrilintida, a fim de deter a obesidade e o diabetes.
Pacientes testados obtiveram, em média, perda de 15% do peso inicial após 32 semanas de uso. Vale ressaltar que a curva de perda de peso não atingiu um platô ao final de 32 semanas, o que significa que o resultado pode ser ainda mais expressivo.
Esta, assim como as demais drogas mencionadas e baseadas em hormônios gastrointestinais, continuam protagonizando ensaios clínicos pelo mundo.
Além delas, não poderia deixar de falar de outro avanço importante que ganhou o palco do encontro da ADA e o noticiário. Me refiro à insulina de ação semanal.
Foram divulgados dois estudos com um desses produtos inovadores, e eles mostraram que pacientes em uso da insulina semanal tiveram melhor controle do diabetes tipo 2 quando comparados a indivíduos que utilizavam insulinas diárias tradicionais, com a vantagem de reduzir o risco de quedas acentuadas de glicose no sangue (hipoglicemia) e facilitar o engajamento do usuário — afinal, é mais fácil tomar um remédio uma vez por semana do que diariamente, certo?
Todos esses desenvolvimentos científicos representam uma vitória para a medicina e os pacientes. No nosso horizonte, podemos vislumbrar medicamentos potentes e efetivos que ajudarão a dominar (ainda melhor) o diabetes e sua sombra, a obesidade.
Diabetes & obesidade: novos tratamentos prometem fazer história Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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