quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Diversidade na pesquisa: a responsabilidade da indústria farmacêutica

Existem atualmente mais de 453 mil estudos clínicos registrados em 221 países, conforme dados da plataforma clinicaltrials.gov. O Brasil participa de cerca de 2% dessas pesquisas.

E, segundo publicação da Interfarma de dezembro de 2021, ocupamos o 20° lugar entre os países que mais realizam estudos. Considerando que somos a 9ª maior economia e a 7ª maior população do mundo, parece existir um desajuste de representação do país nos ensaios clínicos.

Este tipo de pesquisa é o estágio final, mais custoso e mais demorado do desenvolvimento de uma nova terapia. É nesta etapa que são avaliados segurança e eficácia do tratamento em potencial.

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Apesar de ser o teste de uma terapia ainda experimental, podemos afirmar que o estudo clínico representa uma oportunidade de tratamento, ainda mais na realidade de países em desenvolvimento como o Brasil, onde o acesso pode ser difícil, e considerando doenças em que temos opções limitadas, ineficazes ou inexistentes.

Ao participar de um estudo, a pessoa pode, inclusive, ter acesso a tratamentos já aprovados pela nossa agência regulatória, a Anvisa, mas que não estão disponibilizados pelo Sistema de Saúde.

Estudos sobre câncer de pulmão

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), são esperados para 2023 um total de 32.560 casos novos de câncer de pulmão (18.020 em homens e 14.540 em mulheres).

Este câncer ocupa a quarta posição entre os tipos mais frequentes no Brasil e mundialmente é o segundo mais incidente com 2.2 milhões de casos novos. Em termos de mortalidade no Brasil, em 2020, ocorreram 16.009 óbitos em homens e 12.609 em mulheres.

Atualmente temos diversos estudos clínicos em andamento para câncer de pulmão no país. Conforme dados do Relatório Anual de Atividades 2022 da Copec/Anvisa, 27 dos 112 estudos clínicos em oncologia submetidos para aprovação em 2022 — ou seja, 24% — envolviam terapias tumores no órgão.

Por meio destas pesquisas, os pacientes podem ter acesso a tratamentos de ponta, como as imunoterapias, que atualmente só estão disponíveis através do sistema privado de saúde.

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Ensaio clínico é o estágio final, mais custoso e mais demorado do desenvolvimento de uma nova terapiaFoto: Josué Damacena/IOC/Fiocruz/Divulgação

Desigualdade interna

Conforme podemos observar na plataforma clinicaltrials.gov, há uma concentração muito grande de estudos clínicos nos Estados Unidos e na Europa. A China também vem se destacando bastante.

Por outro lado, algumas regiões e países como América Latina, África e Índia apresentam um papel menos relevante no cenário mundial devido ao baixo número de ensaios realizados nestas localidades.

Da mesma forma que vemos uma disparidade global, aqui no Brasil também observamos este mesmo problema relacionado à distribuição dos trabalhos nas diferentes regiões.

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Conforme relatório da Coordenação de Pesquisa Clínica em Medicamentos e Produtos Biológicos (Copec), as regiões Sul e Sudeste tiveram o maior número de centros clínicos relacionados em pesquisas, 90 (27%) e 169 (50%), respectivamente, em comparação às demais regiões brasileiras.

O estado de São Paulo liderou com 107 (32%) centros em 2022, seguido pelo Rio Grande do Sul com 40 (12%). Assim, podemos concluir que poucos estudos são realizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Como promover a diversidade na pesquisa clínica

Atualmente o tema vem ganhando bastante destaque no cenário global. É fundamental definir novas práticas para sermos mais inclusivos, e garantir que a população participante de um estudo e, consequentemente, as informações geradas a partir dele sejam, de fato, representativas da nossa sociedade.

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E isso considerando vários fatores como raça, cultura e características genéticas.

Aqui no Brasil, por exemplo, precisamos definir práticas para levar mais a pesquisa ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste ao invés de centralizar a maior parte no Sul e Sudeste.

Será que concentrando os estudos clínicos no Sul e Sudeste do Brasil estamos, de fato, produzindo dados que representam nossa população em toda a sua diversidade?

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Papel da indústria

Nesse ponto, a indústria farmacêutica, enquanto patrocinadora de diversos estudos, é um importante ator para promover práticas que melhorem a diversidade.

É preciso ampliar ainda mais o alcance em áreas geográficas, principalmente as que apoiam comunidades carentes.

Esta abordagem, além de garantir dados mais representativos da nossa população, também contribuirá para que se reduzam as lacunas raciais e sociais no acesso a tratamentos inovadores.

A Bristol Myers Squibb, farmacêutica americana com diversos estudos clínicos multicêntricos internacionais com a participação do Brasil, já iniciou diversas ações para promover maior diversidade nestes trabalhos.

Por aqui, já iniciamos ações educativas com foco em colaboradores e público externo, estamos atuando na identificação de centros de pesquisa nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e estabelecemos como meta para este ano incluir centros destas regiões em novos ensaios.

Em 2020, a Bristol Myers Squibb e a Bristol Myers Squibb Foundation, instituição que promove a equidade em saúde para populações desfavorecidas, comprometeram US$ 300 milhões para promover ações de equidade em saúde até 2025.

Nos EUA, por exemplo, foi criado um programa para treinar e desenvolver 250 novos médicos/investigadores, racialmente e etnicamente diversos e que demonstram compromisso com o aumento da diversidade, para a condução de estudos clínicos.

Outro compromisso que já foi atingido e superado nos EUA foi de selecionar, pelo menos, 25% dos centros de pesquisa em regiões com alta diversidade étnica e racial.

Outras iniciativas, como o projeto Amor à Pesquisa Contra o Câncer, idealizado pelo Instituto Vencer o Câncer e que tem parceria técnica do LACOG – Latin American Cooperative Oncology Group, são um bom exemplo de ação para promover mais inclusão fora dos grandes centros.

É importante pontuar que a indústria tem papel importante como força motriz das mudanças, pois é uma das investidoras que movimenta a pesquisa.

Atingir as regiões sub-representadas e fomentar acesso a novos tratamentos em troca do conhecimento que é produzido a partir das comunidades deve ser parte, portanto, das políticas de responsabilidade social do setor.

*André Gomes é diretor-associado de Pesquisa Clínica da Bristol Myers Squibb Brasil

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