quinta-feira, 24 de agosto de 2023

O problema urbanístico que deu origem à teoria dos grafos

A cidade de Königsberg, na antiga Prússia, é uma daquelas preciosidades históricas: foi casa de Immanuel Kant, Hannah Arendt, E. T. A. Hoffmann, Christian Goldbach (o da conjectura) e vários outros cientistas e filósofos. Você não vai encontrá-la nos mapas, já que o município foi anexado à Rússia e mudou de nome para Kaliningrado. Mas, no século 18 e 19, Königsberg abrigava as mentes mais brilhantes da época.

A região é cruzada pelo rio Prególia, o que cria duas ilhas na cidade. Cada uma delas é conectada às duas margens do rio e entre si por sete pontes. Veja no mapa abaixo.

Ilustração das pontes Konigsberg.
<span class="hidden">–</span>Adérito Araújo / Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra/Montagem sobre reprodução

Kant ficou famoso por sua rotina pontual: todos os dias, fazia sua caminhada pela cidade precisamente às 15h30. Outra pessoa que curtia essas andanças era o matemático Carl Gottlieb Ehler, só que com um detalhe: ele passava horas imaginando qual rota deveria fazer para cruzar todas as pontes, sem repetir nenhuma delas. 

Você pode tentar encontrar a solução – mas vai desistir em breve, porque a tal rota não existe. O problema ocupava tanto a mente do matemático que ele escreveu uma carta ao colega Leonhard Euler sobre a questão. Euler inicialmente achou que o problema não tinha a ver com matemática, mas logo percebeu que estava errado.

Continua após a publicidade

Ao explicar por que cruzar as sete pontes uma única vez seria impossível, Euler criou um novo campo da matemática, chamado por ele de “geometria das posições”. Hoje, o conhecemos por teoria dos grafos.

O matemático simplificou o mapa, representando cada ilha e margem por um ponto. As pontes, por sua vez, viraram apenas linhas, resultando em um desenho parecido com este:

Gráfico abstrato correspondente às pontes de Königsberg.
<span class="hidden">–</span>Wikipédia/Reprodução

Dessa forma, conseguimos visualizar melhor quantas linhas saem de cada ponto (que hoje chamamos de “vértice”). Pensa só: para atravessar uma ilha, o transeunte deve entrar e sair dela por pontes distintas. Portanto, cada ilha deveria ter um número par de pontes – as de “entrada” e as de “saída”. As únicas exceções seriam as ilhas onde a caminhada inicia e termina. Essas podem ter um número ímpar de pontes.

Pensando dessa forma, é fácil perceber que todos os quatro pontos do desenho (que chamamos de grafo) são conectados por um número ímpar de linhas. Portanto, não há como fazer a caminhada sem repetir pelo menos uma delas em algum momento.

Continua após a publicidade

Se todos os pontos tivessem um número par de linhas, então seria possível sair e voltar à mesma ilha sem repetir nenhuma ponte – algo que chamamos de circuito euleriano.

Leonhard Euler provou isso em 1736, em um artigo que é considerado o início da teoria dos grafos. Hoje, usamos grafos para estudar e visualizar diferentes tipos de relações – em uma malha metroviária ou entre links na internet, por exemplo.

Em agosto de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, duas das pontes originais foram bombardeadas pela força aérea soviética. Se Ehler e Euler estivessem vivos na época, poderiam fazer a tão desejada caminhada pelas pontes sem repetir nenhuma delas (após o final da guerra, é claro).

Compartilhe essa matéria via:

O problema urbanístico que deu origem à teoria dos grafos Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed

Nenhum comentário:

Postar um comentário