quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Buscas pelo mistério da matéria escura em Betelgeuse não encontram respostas

O Universo é tão grande quanto é misterioso – tudo o que vemos na Terra e nos outros planetas ou astros que observamos é composto da matéria “normal”, formada pelos átomos e partículas que conhecemos bem. Mas todo esse conjunto equivale a apenas 5% do Universo; todo o resto é formado por uma dupla sobre a qual sabemos pouco: a energia escura, que forma quase 68% do espaço, e a matéria escura, com 27%. Se considerarmos a massa do Universo (o que exclui toda a energia), 85% dela é formada pela matéria escura.

Mas, apesar da abundância dessa personagem, a ciência sabe muito pouco sobre a matéria escura – e não temos certeza nem do que ela é feita. Ela é matéria, então é formada por partículas, assim como você é formado por quarks e elétrons. Mas o “escura” do nome vem do fato de que essa matéria não emite nenhum tipo de radiação eletromagnética (ou emite muito pouco) e não interage com a matéria que conhecemos (ou interage muito pouco e raramente), ou seja, é invisível e indetectável para nós. Só sabemos da sua existência por causa do seus efeitos gravitacionais – as galáxias, por exemplo, pesam muito mais do que podemos medir, indicando que há algum tipo de massa nelas que está escondida.

Isso não impediu que físicos de todo o mundo tentassem encontrar alguma forma de resolver o mistério, seja na prática ou na teoria. Atualmente, toda a matéria que conhecemos (de um grão de arroz ao Sol) é formada por partículas que são descritas em uma tabela conhecida como Modelo Padrão de Partículas; a matéria escura não está inclusa nessa classificação. Em 1977, dois cientistas propuseram a existência de uma partícula hipotética chamada áxion, que, se existir, pode ser a partícula por trás da matéria escura.

O áxion seria uma partícula muito mais leve que o elétron e “fantasma”, ou seja, invisível e indetectável – e por isso uma boa candidata para responder o mistério da matéria escura. Os cientistas preveem que, se ela existir, poderia ser produzida em ambientes extremos, como no núcleo de estrelas que estejam prestes a morrer – quando elas morrem, explodem em um fenômeno conhecido como supernova.

Por sorte, vivemos em um local e um tempo privilegiados para testar essa hipótese. A “apenas” 700 anos-luz da Terra está a Betelgeuse, a mais brilhante estrela da constelação de Órion. Desde 2019, os cientistas perceberam que a nossa vizinha cósmica está perdendo o brilho, o que indica que ela está nas suas fases finais de vida e pode explodir em breve (se considerarmos a escala de tempo da astronomia, é claro). E é em um cenário como esse que, segundo as teorias anteriores, poderia haver produção de áxions e possivelmente sua detecção.

Cientistas do MIT, então, decidiram investigar a estrela moribunda para procurar pelas partículas fantasmas, na esperança de finalmente responder o mistério da matéria escura. Infelizmente, as notícias não são tão animadoras: em estudo publicado na revista Physical Review Letters, a equipe anunciou que não encontrou sinais da partícula hipotética – mas ressaltou que a busca ainda não acabou.

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Caçando um alvo invisível

Se os áxions de fato existirem, eles quase nunca interagiriam com alguma coisa. A palavra quase, aqui, é importante: cientistas acreditam que em um cenário específico seria possível detectá-los. Segundo as teorias, os áxions seriam produzidos no interior de estrelas prestes a explodir porque, nesse ambiente com um campo magnético muito forte, os fótons seriam transformados nessas partículas ultraleves. Enquanto a estrela se enfraquesse e morre, ela liberaria esses áxions no Universo – onde eles poderiam se encontrar com outros campos magnéticos. Nesse encontro, os áxions indetectáveis voltariam a se transformar em fótons, se revelando por um momento, já que é possível detectar os fótons através dos raios X emitidos por essa partículas.

Os cientistas então procuraram por sinais de raios X vindos da Betelgeuse que pudessem corresponder a esses fótons que vieram de áxions. “A Betelgeuse está em uma temperatura e estágio da sua vida em que não se espera observar muitos raios-X saindo dela, segundo a astrofísica estelar padrão”, explica Kerstin Perez, professora do MIT e líder da pesquisa. “Mas, se áxions existirem e estiverem saindo [da estrela], poderemos ver uma assinatura de raio-X. Então é por isso que a Betelgeuse é um bom objeto de estudo: se você vir os raios-X, é um sinal de que devem ser áxions.”

Como os áxions são partículas hipotéticas, os cientistas não sabem muito bem como seria o sinal emitido pelos fótons que elas se tornariam. Por isso, a equipe fez um modelo abrangente, considerando vários possíveis valores de massa para a partícula teórica e várias probabilidades delas encontraram campos magnéticos com diversas intensidades em sua jornada entre a Betelgeuse e a Terra. “Com toda essa modelagem, obtivémos uma faixa de como o sinal de raio-X dos áxions poderia ser”, diz Perez.

Os cientistas então procuraram por sinais que vinham da estrela e que se encaixassem nesse intervalo previamente calculado. Mas os resultados não mostraram nenhum valor significativo desses sinais – e, segundo as teorias anteriores, a Betelgeuse deveria estar emitindo muitos áxions, a ponto do fenômeno ser facilmente observável nos resultados.

Segundo a equipe, isso não significa que os áxions não existam e que não estejam sendo expelidos pela estrela. É possível que, na verdade, essas partículas sejam muito mais leves do que hipotetizado antes, e que, por isso, o fenômeno delas se tornarem fótons aconteça, ou aconteça tão pouco e tão raramente que não seja possível detectá-lo. Dessa forma, o estudo praticamente descarta um dos métodos mais promissores de encontrar a tal partícula fantasma.

“Basicamente, estamos dificultando a vida de todo mundo, porque estamos dizendo: “vamos ter que pensar em outra coisa que sinalize a presença de um áxion”, disse Perez.

Apesar dos resultados não tão animadores, a busca pelos áxions na Betelgeuse ainda não terminou. A estrela está morrendo, mas ainda não explodiu – e quando isso acontecer, teremos uma nova oportunidade. “Seria interessante se observássemos uma supernova, porque ela iria ejetar uma grande quantidade de axions que não estariam em raios X, e sim em raios gama”, afirmou Perez. “Se uma estrela explode e não conseguimos observar axions, então aí teremos restrições realmente rigorosas na teoria de transformação de áxions em fótons. Então, todos estão cruzando os dedos para Betelgeuse explodir.”

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