O Universo é tão grande quanto é misterioso – tudo o que vemos na Terra e nos outros planetas ou astros que observamos é composto da matéria “normal”, formada pelos átomos e partículas que conhecemos bem. Mas todo esse conjunto equivale a apenas 5% do Universo; todo o resto é formado por uma dupla sobre a qual sabemos pouco: a energia escura, que forma quase 68% do espaço, e a matéria escura, com 27%. Se considerarmos a massa do Universo (o que exclui toda a energia), 85% dela é formada pela matéria escura.
Mas, apesar da abundância dessa personagem, a ciência sabe muito pouco sobre a matéria escura – e não temos certeza nem do que ela é feita. Ela é matéria, então é formada por partículas, assim como você é formado por quarks e elétrons. Mas o “escura” do nome vem do fato de que essa matéria não emite nenhum tipo de radiação eletromagnética (ou emite muito pouco) e não interage com a matéria que conhecemos (ou interage muito pouco e raramente), ou seja, é invisível e indetectável para nós. Só sabemos da sua existência por causa do seus efeitos gravitacionais – as galáxias, por exemplo, pesam muito mais do que podemos medir, indicando que há algum tipo de massa nelas que está escondida.
Isso não impediu que físicos de todo o mundo tentassem encontrar alguma forma de resolver o mistério, seja na prática ou na teoria. Atualmente, toda a matéria que conhecemos (de um grão de arroz ao Sol) é formada por partículas que são descritas em uma tabela conhecida como Modelo Padrão de Partículas; a matéria escura não está inclusa nessa classificação. Em 1977, dois cientistas propuseram a existência de uma partícula hipotética chamada áxion, que, se existir, pode ser a partícula por trás da matéria escura.
O áxion seria uma partícula muito mais leve que o elétron e “fantasma”, ou seja, invisível e indetectável – e por isso uma boa candidata para responder o mistério da matéria escura. Os cientistas preveem que, se ela existir, poderia ser produzida em ambientes extremos, como no núcleo de estrelas que estejam prestes a morrer – quando elas morrem, explodem em um fenômeno conhecido como supernova.
Por sorte, vivemos em um local e um tempo privilegiados para testar essa hipótese. A “apenas” 700 anos-luz da Terra está a Betelgeuse, a mais brilhante estrela da constelação de Órion. Desde 2019, os cientistas perceberam que a nossa vizinha cósmica está perdendo o brilho, o que indica que ela está nas suas fases finais de vida e pode explodir em breve (se considerarmos a escala de tempo da astronomia, é claro). E é em um cenário como esse que, segundo as teorias anteriores, poderia haver produção de áxions e possivelmente sua detecção.
Cientistas do MIT, então, decidiram investigar a estrela moribunda para procurar pelas partículas fantasmas, na esperança de finalmente responder o mistério da matéria escura. Infelizmente, as notícias não são tão animadoras: em estudo publicado na revista Physical Review Letters, a equipe anunciou que não encontrou sinais da partícula hipotética – mas ressaltou que a busca ainda não acabou.
Caçando um alvo invisível
Se os áxions de fato existirem, eles quase nunca interagiriam com alguma coisa. A palavra quase, aqui, é importante: cientistas acreditam que em um cenário específico seria possível detectá-los. Segundo as teorias, os áxions seriam produzidos no interior de estrelas prestes a explodir porque, nesse ambiente com um campo magnético muito forte, os fótons seriam transformados nessas partículas ultraleves. Enquanto a estrela se enfraquesse e morre, ela liberaria esses áxions no Universo – onde eles poderiam se encontrar com outros campos magnéticos. Nesse encontro, os áxions indetectáveis voltariam a se transformar em fótons, se revelando por um momento, já que é possível detectar os fótons através dos raios X emitidos por essa partículas.
Os cientistas então procuraram por sinais de raios X vindos da Betelgeuse que pudessem corresponder a esses fótons que vieram de áxions. “A Betelgeuse está em uma temperatura e estágio da sua vida em que não se espera observar muitos raios-X saindo dela, segundo a astrofísica estelar padrão”, explica Kerstin Perez, professora do MIT e líder da pesquisa. “Mas, se áxions existirem e estiverem saindo [da estrela], poderemos ver uma assinatura de raio-X. Então é por isso que a Betelgeuse é um bom objeto de estudo: se você vir os raios-X, é um sinal de que devem ser áxions.”
Como os áxions são partículas hipotéticas, os cientistas não sabem muito bem como seria o sinal emitido pelos fótons que elas se tornariam. Por isso, a equipe fez um modelo abrangente, considerando vários possíveis valores de massa para a partícula teórica e várias probabilidades delas encontraram campos magnéticos com diversas intensidades em sua jornada entre a Betelgeuse e a Terra. “Com toda essa modelagem, obtivémos uma faixa de como o sinal de raio-X dos áxions poderia ser”, diz Perez.
Os cientistas então procuraram por sinais que vinham da estrela e que se encaixassem nesse intervalo previamente calculado. Mas os resultados não mostraram nenhum valor significativo desses sinais – e, segundo as teorias anteriores, a Betelgeuse deveria estar emitindo muitos áxions, a ponto do fenômeno ser facilmente observável nos resultados.
Segundo a equipe, isso não significa que os áxions não existam e que não estejam sendo expelidos pela estrela. É possível que, na verdade, essas partículas sejam muito mais leves do que hipotetizado antes, e que, por isso, o fenômeno delas se tornarem fótons aconteça, ou aconteça tão pouco e tão raramente que não seja possível detectá-lo. Dessa forma, o estudo praticamente descarta um dos métodos mais promissores de encontrar a tal partícula fantasma.
“Basicamente, estamos dificultando a vida de todo mundo, porque estamos dizendo: “vamos ter que pensar em outra coisa que sinalize a presença de um áxion”, disse Perez.
Apesar dos resultados não tão animadores, a busca pelos áxions na Betelgeuse ainda não terminou. A estrela está morrendo, mas ainda não explodiu – e quando isso acontecer, teremos uma nova oportunidade. “Seria interessante se observássemos uma supernova, porque ela iria ejetar uma grande quantidade de axions que não estariam em raios X, e sim em raios gama”, afirmou Perez. “Se uma estrela explode e não conseguimos observar axions, então aí teremos restrições realmente rigorosas na teoria de transformação de áxions em fótons. Então, todos estão cruzando os dedos para Betelgeuse explodir.”
Buscas pelo mistério da matéria escura em Betelgeuse não encontram respostas Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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