segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Covid-19: Por que você pode confiar nas vacinas, mesmo feitas em tempo recorde

A vacinação contra a Covid-19 no Brasil começou nesse domingo (17), com o estado de São Paulo aplicando as primeiras doses em profissionais de saúde e outros grupos prioritários logo após a aprovação de uso emergencial concedida pela Anvisa. Nesta segunda-feira (18), o Ministério da Saúde começou a distribuir para todos os estados do Brasil a Coronavac, o imunizante produzido pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

É apenas o começo de uma longa caminhada – para a vacinação fazer efeito e efetivamente diminuir os trágicos números da pandemia no país, é preciso que uma grande quantidade de pessoas se imunize. Mas aí surge um novo problema: todos os esforços globais para se criar, produzir e distribuir milhões de doses vacinas não servem de nada se elas não acabam no braço das pessoas. Em 2019, antes mesmo da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificava a hesitação em se vacinar como uma das dez maiores ameaças à saúde pública global.

Em plena pandemia, porém, o problema é ainda maior. O medo de que a vacina da Covid-19 possa não ser segura por causa da velocidade em que foi feita e testada pode até ser legítimo em um primeiro momento, mas não faz sentido quando se entende o processo de produção de vacinas. É isso que você confere abaixo.

Como sabemos que uma vacina é segura

A primeira vacina propriamente dita da história surgiu no final do século 19, quando o médico britânico Edward Jenner descobriu que injetar a secreção de feridas de vacas com varíola em humanos tornava-os resistentes à doença viral (que hoje está erradicada graças à vacinação). Daí o nome “vacina”, do latim vaccinus – “que vem da vaca”.

Felizmente, a ciência evoluiu nos últimos séculos e conseguimos criar métodos de imunização bem menos nojentos e muito mais seguros e eficientes. Todos os anos, vacinas salvam 3 milhões de vidas pelo mundo, segundo a OMS, principalmente crianças e bebês. Elas erradicaram a varíola e estão perto de fazer o mesmo com a poliomielite, além de serem responsáveis por controlar diversas epidemias ao longo da história.

Mesmo assim, há quem duvide da eficácia das vacinas – e acaba não tomando as doses necessárias. A hesitação vacinal, como a OMS nomeia o comportamento, é um fenômeno complexo, que depende de diversos fatores dependendo do local e época em que ocorre. Em geral, há grupos abertamente contra vacinas – chamados de antivacinas – que se baseiam em mentiras e teorias da conspiração sem base alguma para ser radicalmente contra a vacinação. Mas também há quem tenha receio da vacinação por preocupações legítimas e desconhecimento de seus mecanismos de ação.

Na pandemia de Covid-19, a confiança nas vacinas é um ponto central no debate público. Muitas pessoas se preocupam devido à velocidade em que as vacinas foram feitas – afinal, nunca se desenvolveu um imunizante em tão pouco tempo. Antes das primeiras vacinas contra o novo coronavírus terem sido aprovadas, o imunizante mais rápido já desenvolvido era o da caxumba, que levou um total de quatro anos.

De fato, o recorde que atingimos em 2020 é impressionante. Mas ele é motivo de comemoração – e não de desconfiança. E há um motivo claro para isso: as vacinas da Covid-19 seguiram os mesmos passos que as outras vacinas e medicamentos que já estão no mercado há muito tempo.

A ciência consagrou um modelo bastante eficiente para testar novas terapias. Os testes clínicos para remédios e vacinas são divididos em três fases em humanos – antes disso, há as etapas pré-clínicas, em que os produtos são testados em laboratório e em animais. Na primeira fase dos ensaios com humanos, uma quantidade pequena de voluntários (geralmente algumas dezenas) recebe o medicamento ou a vacina. O intuito aqui é verificar a segurança do produto e ajustar a dose da melhor maneira.

Na fase dois, centenas de voluntários participam, e começa-se a verificar a eficácia da terapia. Por fim, a fase 3 é a mais importante: geralmente são milhares de participantes, número significativo para se tirar conclusões estatísticas sobre o efeito do remédio ou vacina testados. Depois, os números são submetidos a análise de autoridades de vigilância, que julgam se tudo de fato foi cumprido com rigor.

Acontece que todas as vacinas contra a Covid-19 já passaram ou estão passando por esse mesmo procedimento padrão – nenhuma etapa foi pulada ou excluída para agilizar as coisas. Alguns países, como China e Rússia, decidiram conceder aprovação emergencial para algumas vacinas em seus territórios mesmo sem a conclusão da última fase, mas isso não é padrão. Algumas desenvolvedoras de vacina também fizeram testes cujas fases às vezes se sobrepunham – ou seja, não esperavam a fase dois ser totalmente concluída para iniciar a três, por acreditarem que a segurança já estava provada com os dados que tinham.

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No Brasil, as duas vacinas aprovadas (Coronavac e a de Oxford) já concluíram suas fases 3 e passaram pelo crivo da Anvisa; o mesmo aconteceu com os imunizantes da Pfizer, Moderna e de outras empresas em diferentes países. Não há motivos para desconfiar especificamente das vacinas contra a Covid-19 se elas passaram pelos mesmos processos padrões de vacinas que utilizamos com sucesso no Brasil e no mundo há muito tempo.

Mas, se as vacinas não pularam etapas, porque elas saíram em um período de tempo tão menor?

Como a ciência fez vacinas em tempo recorde

Nunca uma vacina foi desenvolvida tão rapidamente, é verdade – mas também nunca a humanidade enfrentou uma pandemia dessa proporção com acesso à tecnologia que temos hoje em dia. Existem vários motivos que explicam o tempo curto de desenvolvimento da vacina, mas o principal é o investimento e os esforços sem precedentes que foram aplicados

Além do imperativo ético de salvar vidas, o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 também tem um incentivo financeiro: a demanda é, basicamente, o mundo inteiro. Por isso, a maioria das grandes farmacêuticas do mundo entraram nessa corrida – com investimentos maciços vindo de diversos setores, incluindo de governos. Testes clínicos demandam tempo, mas também precisam de muito dinheiro e muitos braços, e a colaboração internacional fornece os dois.

Outro ponto que acelerou e muito em 2020 foi a parte burocrática – agências reguladoras pelo mundo trabalharam em conjunto com as farmacêuticas para otimizar a coleta de dados a análise de documentos, além de permitirem que as farmacêuticas começassem a produção em massa de suas vacinas mesmo antes do fim do processo. É uma aposta perigosa: a vacina poderia falhar e o dinheiro iria para o lixo. Mas várias empresas toparam, de olho na recompensa alta.

A tecnologia do século 21 também ajudou bastante; apesar do SARS-CoV-2 ser um vírus novo, ele pertence à família dos coronavírus, que inclui outros patógenos já conhecidos pela humanidade, como os causadores da SARS e da MERS. Esses vírus já eram estudados por equipes científicas pelo mundo, então a produção de uma nova vacina não partiu totalmente do zero. Além disso, tecnologias novas e promissoras, como as vacinas de mRNA da Pfizer e da Moderna, já eram estudadas desde da década retrasada – e tiveram a oportunidade perfeita para serem colocadas em prática agora.

E os efeitos colaterais?

Uma preocupação legítima que pode aumentar a desconfiança das vacinas é sobre os efeitos colaterais a longo prazo, já que a vacina foi testada apenas por meses. É parcialmente verdade: os testes clínicos realizados seguiram os mesmos protocolos de sempre e já detectaram os efeitos adversos mais comuns das vacinas, que geralmente incluem sintomas como dor, febre e calafrios. É possível que, agora que as vacinas estão sendo aplicadas em milhões de pessoas, consequências raras que não foram detectadas nos voluntários possam ser notadas.

Mas, novamente, isso não é exclusividade da Covid-19: todos os medicamentos e vacinas aprovadas passam por essa chamada “fase 4”, em que a terapia é aprovada para uso geral mas continua em observação para possíveis efeitos indesejados não detectados.  Caso novas informações surjam, as autoridades de saúde poderão atualizar os protocolos e as recomendações. Mas isso só vai acontecer se de fato as pessoas se vacinarem.

Os efeitos colaterais graves são sempre os que mais preocupam, por motivos óbvios. Com a experiência que temos em outras vacinas, sabemos que, além de raros, os eventos mais graves geralmente acontecem em até três meses depois da vacinação – tempo que já foi coberto pelos testes clínicos realizados em voluntários. São poucos os efeitos conhecidos das vacinas que ultrapassam o marco de seis semanas para aparecer, segundo a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos EUA.

Hoje, sabemos que os efeitos colaterais mais graves relacionados a vacinas da Covid-19 são reações alérgicas raríssimas, que algumas poucas pessoas desenvolveram após as inoculações, dentre as mais de 40 milhões de doses já administradas no mundo. Algumas, que geralmente já tinham histórico de alergias, evoluíram para casos que necessitaram de internação, mas não há nenhum caso confirmado de morte. E, em todos os casos, isso ocorreu alguns minutos ou horas após a vacinação – e não meses depois.

Enquanto isso, a Covid-19 já matou mais de duas milhões de pessoas pelo mundo. Além disso, a doença está se revelando em mais persistente do que se imaginava, com cada vez mais pacientes relatando sintomas mesmo meses após a infecção. Em todos os sentidos, os benefícios da vacinação superam e muito os seus possíveis riscos, ainda mais se comparados com os riscos da doença em si.

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