New START, que será prorrogado por cinco anos, não cobre pontos críticos da tensão entre as superpotências: permite que Moscou continue desenvolvendo seus novos supermísseis nucleares, enquanto Washington multiplica e rearma as bases da OTAN
A Casa Branca e o Kremlin confirmaram, na manhã desta quarta-feira (27), a extensão por cinco anos do tratado New START (Strategic Arms Reduction Treaty), que iria vencer em fevereiro. Pelo acordo, em vigor desde 2011, EUA e Rússia se comprometem a limitar em 1.500 seu arsenal total de ogivas nucleares operacionais – e em 800 o número de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) e mísseis balísticos lançados de submarinos (SLBMs), bem como mísseis e bombas lançadas de aviões. Mas o New START não impede as manobras geopolíticas e o desenvolvimento de novas armas nucleares que têm provocado tensão entre a Rússia e os EUA.
Em outubro de 2018, os Estados Unidos anunciaram que estavam se retirando do tratado INF (Intermediate Range Nuclear Forces Treaty), assinado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev em 1987. O INF proibe que russos e americanos tenham mísseis nucleares de alcance intermediário, entre 500 e 5.500 km. Na prática, ele serve para impedir que os Estados Unidos encham as bases da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), espalhadas por toda a Europa, de mísseis nucleares apontados para a Rússia. Como estão mais perto do alvo, eles seriam capazes de atingir o território russo em poucos minutos, bem antes que ICBMs disparados de Moscou chegassem aos EUA. Isso cria uma vantagem para os americanos – anulada pelo tratado.
Ao abandonar o INF, os americanos alegaram que os russos haviam desrespeitado o acordo ao desenvolver um novo míssil nuclear, o Burevestnik (nome em russo do petrel-gigante, um pássaro que sobrevoa os oceanos). A Rússia respondeu dizendo que sua arma tem alcance superior a 5.500 km, e portanto não é coberto pelo tratado. Ambos os lados estão contando meias-verdades.
O Burevestnik é um míssil de cruzeiro (não é como os ICBMs, que saem da atmosfera e reentram nela, com um raio de curva enorme). E é capaz de acertar alvos entre 500 e 5.500 km – portanto, sua criação viola o tratado INF.
Seja como for, o Burevestnik representa uma grande vantagem para os russos, que passam a ter a possibilidade de atacar os EUA (ou qualquer outro ponto do planeta) praticamente de surpresa. Ele ainda está em testes – em 8 de agosto de 2019, acredita-se que um protótipo tenha explodido perto de Nyonoska, no noroeste da Rússia. Mas não é coberto pelo New START, o tratado que foi prorrogado hoje.
Esse acordo também não barra as duas outras superarmas nucleares russas: o Avangard, primeiro míssil hipersônico do mundo (capaz de alcançar 27 vezes a velocidade do som), e o torpedo Poseidon, projetado para carregar e detonar uma ogiva de 100 megatons perto da costa de um país, o suficiente para provocar um tsunâmi com ondas de 90 metros de altura. O Poseidon só deve ficar pronto em 2027, mas o Avangard já está operacional. Em dezembro de 2019, as primeiras unidades foram instaladas – especula-se que em Dombarovskiy, no sul da Rússia. Vão continuar lá; e equiparão outras bases.
Acima de tudo, o New START não impede que os Estados Unidos sigam expandindo a OTAN (que ao final da Guerra Fria reunia 16 países e hoje tem 30), construindo bases cada vez mais perto das fronteiras russas – e, como não há mais tratado INF, posicionem mísseis nucleares nesses locais, acuando a Rússia.
Moscou está em vantagem tecnológica, e Washington tem mais poder geopolítico. Essa combinação de fatores desmonta o equilíbrio de forças entre as superpotências, essencial para manter a paz durante a Guerra Fria. E a prorrogação do New START não resolve isso. Ao permitir que ambos os lados continuem avançando, ela marca o começo de uma nova fase no jogo – e não o fim, ou o distensionamento, desse jogo.
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