domingo, 31 de janeiro de 2021

Astrônomos criam “balança cósmica” para pesar aglomerados de galáxias

Uma equipe formada por pesquisadores do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, e do Fermilab, nos EUA, desenvolveu uma “balança cósmica” para medir a massa de aglomerados de galáxias – que são algumas das maiores estruturas do Universo.

O novo método usa a luz de estrelas desgarradas – ou seja, que não pertencem a nenhuma galáxia e se encontram sozinhas no espaço entre elas – para calcular a distribuição de massa nos aglomerados (o que inclui a massa indetectável correspondente à matéria escura). 

Aglomerados de galáxias são as maiores estruturas conectadas pela gravidade no Universo. Medir sua massa é uma missão importante para várias empreitadas na astrofísica, mas não é brincadeira – até porque é difícil determinar onde um aglomerado começa e onde termina.

Os astrônomos envolvidos participam do Dark Energy Survey (ao pé da letra, “levantamento da energia escura”), uma colaboração internacional que utiliza um telescópio de 4 m de diâmetro localizado no Chile, equipado com uma câmera de 570 megapixels, a DECam.

(Você pode conhecer melhor o DES e sua super câmera lendo o perfil da astrofísica capixaba Marcelle Soares-Santos aqui na Super. Ela é uma peça-chave desse projeto.) 

Inicialmente, a equipe estava estudando a chamada luz intra-aglomerado (ICL, na sigla em inglês): um tipo de luz muito tênue que vem do interior dos aglomerados de galáxias. Essa luz é gerada pelas estrelas desgarradas – aqueles sóis já mencionados que não pertencem a nenhuma galáxia e flutuam livremente pelo espaço intergaláctico.

O mais provável é que essas estrelas tenham ido parar fora das galáxias devido às interações gravitacionais entre elas. “As galáxias estão em movimento no aglomerado de galáxias”, explica Ricardo Ogando, astrofísico do Observatório Nacional que liderou o estudo. 

“Volta e meia essas galáxias passam muito perto uma da outra e, então, uma galáxia “arranca” uma estrela uma da outra através de um puxão gravitacional. Assim, elas ficam soltas no espaço entre galáxias”. 

(Algumas hipóteses propõem que essas estrelas possam se formar já separadas de galáxias, mas esse é um cenário menos provável.)

No novo estudo, os pesquisadores revelam a medição mais detalhada da ICL já publicada. Além de considerar mais de 500 aglomerados, eles incluiram medições de regiões distantes dos centros dos aglomerados, onde a luz das estrelas desgarradas tende a se concentrar e, portanto, é mais fácil (ou um pouco menos difícil) medir a ICL.

Pesando galáxias por meio da luz

O estudo, publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, deu um passo além. Após medir a intensidade e a distribuição da luz intra-aglomerado, os pesquisadores mediram a distribuição da massa nesses aglomerados usando um método chamado lentes gravitacionais.

O método funciona assim: todas as coisas com massa afundam o tecido espaço-tempo – de maneira similiar à que você afunda o sofá quando senta. Quanto maior a massa, maior a distorção.

Quando a luz que vem de um ponto distante passa pelo meio de um aglomerado de galáxias, sua trajetória é alterada por essa vala que o aglomerado forma na trama do cosmos. A intensidade e as características dessa distorção permitem calcular a distribuição da massa.

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Depois, os astrônomos compararam a distribuição da massa, calculada com as lentes gravitacionais, com a distribuição radial da luz das estrelas solitárias, a LIC. Distribuição radial se refere a maneira como quantidade de ICL varia do centro do alglomerado para as pontas (radial vem de “raio”, o raio de uma esfera).

Os resultados mostraram que há uma relação bastante próxima entre esses dois dados. Ou seja: dá pra “pesar” um aglomerado de galáxias e estimar a distribuição de sua massa a partir da observação da luz emitida por suas estrelas solitárias.

O mais interessante é que esse relação vale tanto para a matéria comum – aquela formada por átomos e partículas que conhecemos bem – como para a matéria escura, uma forma enigmática e fantasmagórica de matéria que é indectável por quaisquer meios conhecidos.

Sabemos que a matéria bariônica – aquela que forma você, um grão de arroz, o Sol e tudo mais que conhecemos – equivale a só 15% de toda a massa do Universo. Os outro 85% são formados pela matéria escura.

Só sabemos que a matéria escura existe por causa dos seus efeitos gravitacionais – como curvar o espaço-tempo e alterar a trajetória de raios de luz, por exemplo.

O novo método criado pela equipe ajuda a entender como ela se distribui pelos aglomerados de galáxias e pode dar pistas para desvendar o mistério desse componente invisível que nos cerca.

A “balança” baseada em luz criada pelos pesquisadores não é o primeiro método para pesar aglomerados de galáxia nem para estimar a distribuição de matéria escura em seu interior. O problema é que os métodos atuais são caros, complexos e nem sempre precisos. A combinação de várias técnicas ajuda a aumentar a precisão desses estudos.

O outro mistério

A medição da massa desses aglomerados também é importante para desvendar um outro mistério – que, apesar do nome parecido, é bem diferente matéria escura: a energia escura.

Essa energia desconhecida é, de longe, a protagonista da composição do Universo – forma 68% do conteúdo total de massa e energia do cosmos, enquanto a matéria escura corresponde a 27%, e a matéria que conhecemos equivale a apenas 5%.

Ninguém sabe ao certo o que essa energia é, mas sabemos que ela é a responsável pelo fenômeno da expansão acelerada do Universo. “De certa forma, [a energia escura] tende a afastar as coisas”, explica Ogando. Ela fica em um eterno cabo de guerra com a gravidade, que quer tudo juntinho. 

A força da gravidade é uma força interativa, então ela formas estrelas, forma galáxias e forma os aglomerados de galáxias. A gente pode calcular essa disputa entre energia escura, que está expandindo no Universo de forma acelerada, e a gravidade, que está aglomerando coisas. Fazemos isso olhando os aglomerados.”

Os algomerados são estruturas imensas. Eles estão sujeitos à gravidade de seus componentes, que tende a mantê-los unidos. Mas também estão sujeitos à expansão do Universo, que tenta separá-los.

“Se a energia escura estiver ganhando, a tendência é que se formem menos aglomerados, ou aglomerados menos massivos”, diz Ogando. Por outro lado, “se a gravidade estiver ganhando essa disputa, há uma tendência de que se formem mais aglomerados, e que eles sejam mais massivos.” 

Assim, métodos confiáveis para calcular a massa dos aglomerados não são importantes apenas para estudar os algomerados em si, mas para responder a algumas questões centrais da cosmologia: por que o cosmos se expande? À que taxa, exatamente, essa expansão acontece? Ela continuará para sempre?

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