Durante minha trajetória profissional como ginecologista e obstetra, surgiu a necessidade de estudar áreas da medicina pouco exploradas durante a graduação, na tentativa de encontrar respostas para dilemas enfrentados no dia a dia. Após ser mãe e com o amadurecimento profissional, algo me chamava a atenção: as mulheres estavam adoecendo mais. Sentia nelas um agravamento do estado de saúde, provavelmente pela dupla jornada diária de trabalho e pela mudança em seu perfil e estilo de vida.
Foram inúmeras conquistas nesses anos todos, porém, muitas de nós estão pagando um preço alto com o próprio bem-estar. Entramos na era da mãe moderna, aquela que fala o que pensa, ri alto, tem sorriso largo na boca, brinca com o filho no chão, sai com as amigas quando pode e trabalha dentro e fora de casa.
Essa nova mulher saiu do armário, aprendeu a falar e a ser escutada, mas sofre uma pressão interna e externa considerável. Não é fácil administrar suas liberdades e culpas.
É diante desse contexto que acompanhamos o alarmante aumento na prevalência de doenças psiquiátricas, ginecológicas, metabólicas, autoimunes, entre outras. O que me fez estudar e defender uma abordagem cada vez mais integrada da saúde, que agregue nutrologia, cuidados com o corpo e a mente, enfim, uma visão mais holística na prevenção e no tratamento.
E isso nos remete diretamente ao estilo de vida e ao reconhecimento de recomendações já valorizadas por nossos médicos ancestrais, mas frequentemente deixadas de lado hoje. Já dizia Hipócrates: “Faça do seu alimento seu remédio”.
Por que, então, não aliar os recursos da medicina moderna com aprendizados de práticas tradicionais, como aquelas da medicina tradicional chinesa, ainda pouco exploradas no Brasil? É nessas fontes que aprendemos o potencial de certos alimentos, bem como o valor de técnicas de respiração para o manejo do estresse, úteis nesse mundo tão frenético em que desaprendemos até a respirar direito.
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Com essas ideias e muitas outras em mente, me juntei a um time de profissionais para escrever o livro Gestação Saudável: Como Seu Estilo de Vida Impacta as Futuras Gerações (Belelê).
A intenção é esclarecer a mulher (ou melhor, o casal) do que pode ser feito para melhorar a saúde, resgatando o básico e incorporando as novas noções da epigenética, área da ciência que estuda como o ambiente interfere na programação dos genes. A proposta é mostrar como nossos hábitos e atitudes influenciam o âmago da nossa saúde e a dos nossos filhos, antes mesmo de engravidar.
Estudos em diferentes partes do mundo relacionam a influência de determinados fatores ambientais e do estilo de vida do casal a um maior ou menor risco de certas doenças futuras. Há fortes indícios de uma associação entre agravos na vida fetal ou nas fases iniciais da vida extrauterina (principalmente os primeiros 1000 dias) com o surgimento de problemas de saúde lá na frente.
Novos conhecimentos nos revelaram que a programação genética não é mais a última palavra traçando nossos destinos, nem uma sentença de que teremos determinadas doenças. É a história que ilustro com a ideia de “ligar ou não as chavinhas”. A carga genética em si costuma influenciar bem menos a longevidade e a qualidade de vida do que o estilo de vida e outros fatores ambientais. Até porque estes afetam a expressão dos genes.
A epigenética vem mostrando que tanto as escolhas alimentares como a exposição a estresse e traumas podem modular os genes da nossa e da próxima geração, abrindo um caminho para revisitar práticas e orientações a serem adotadas pelas mulheres em todas as fases da vida, sobretudo na gestação.
* Carla Delascio Lopes é especialista em ginecologia, obstetrícia e medicina fetal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora do livro recém-lançado O Segredo para uma Gestação Saudável (Belelê)
Como cuidar das próximas gerações olhando para seus próprios hábitos Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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