Manchetes sobre possível novo uso do Regn-Cov2, medicamento que já foi liberado pela Anvisa, ignoram a principal característica dessa droga; saiba qual é
O título “Anvisa libera remédio que previne Covid” e diversas variações dele começaram a se espalhar na TV e na internet nesta quarta-feira (24). Eles induzem a uma interpretação totalmente errada, mas que muita gente irá fazer: a de que tudo bem, agora a pandemia acabou mesmo e é só tomar esse tal medicamento para sair saltitando por aí, sem preocupações nem máscara. Não é nada disso. A droga em questão tem um porém crucial – que limita muito sua aplicação.
A notícia concreta, publicada hoje na Folha de S. Paulo, é: “Remédio aprovado pela Anvisa contra Covid tem efeito preventivo, diz estudo”. O texto, sóbrio e correto, descreve um estudo feito com o Regn-Cov2 (chamado de Regen-Cov nos EUA), que foi criado pela empresa americana Regeneron e é produzido pela multinacional Roche. O ex-presidente americano Donald Trump foi tratado com esse remédio ao se infectar pelo coronavírus, em setembro de 2020. Ele é usado logo após o diagnóstico de Covid, e costuma ser indicado a pessoas com comorbidades ou alto risco de desenvolver a forma grave da doença.
Vamos à novidade. O estudo citado hoje pela Folha (que não é exatamente novo, foi publicado como pre-print em junho e depois saiu no New England Journal of Medicine, com revisão por pares, em setembro) avaliou 2475 voluntários que estavam altamente expostos ao coronavírus – porque moravam com uma pessoa infectada.
Entre os que receberam o Regn-Cov2, houve 81,4% menos casos sintomáticos de Covid. Bastou administrar o remédio com uma certa rapidez – no máximo 96 horas após o diagnóstico do cônjuge, parente ou roommate infectado. E o efeito protetor dura pelo menos 7 meses. Uma beleza.
O problema é que o Regn-Cov2 não é um medicamento comum, que você fabrica misturando substâncias químicas. Ele é uma combinação de dois anticorpos monoclonais, que são produzidos por células vivas cultivadas em biorreatores. Dentro desses tanques, com 20 mil litros de glicose e aminoácidos, crescem e se multiplicam zilhões de clones idênticos de uma única célula inicial (daí o nome “monoclonal”), geneticamente projetada para fabricar determinado anticorpo. É um processo complexo e interessante, que mostramos detalhadamente nesta reportagem.
Os anticorpos monoclonais são bem difíceis de fabricar – e por isso mesmo, caros. Nos EUA e na Europa, o tratamento com Regn-Cov2 tem custado em média US$ 2.000 (para compras governamentais, em grandes lotes). Pela cotação de hoje, dá R$ 11.200. E isso considerando uma compra gigantesca, por meio do SUS. Para compras em lotes menores, destinados a hospitais e clínicas privadas, o valor provavelmente seria mais alto. Sem falar nos impostos.
Percebeu? O Regn-Cov2 não é o ‘passaporte da alegria’ que alguns títulos podem dar a entender. Ele custa uma fortuna, está disponível em quantidades limitadas, e vai continuar assim – porque fabricá-lo, ou aumentar sua produção, é bastante difícil. Não parece realista imaginar um cenário com os anticorpos monoclonais sendo aplicados em massa no Brasil e mudando o rumo da pandemia por aqui.
Nesse aspecto, o Regn-Cov2 é completamente diferente do Paxlovid e do molnupiravir, os dois medicamentos antivirais que devem chegar ao mercado nos próximos meses. São drogas mais fáceis de fabricar, e mais baratas – o tratamento com molnupiravir poderá custar menos de US$ 20 no terceiro mundo (seu criador, o laboratório MSD, supostamente já está em negociações para que ele seja produzido no Brasil, inclusive), e o Paxlovid também terá preço mais baixo em países subdesenvolvidos.
Além disso, esses dois medicamentos são administrados por via oral, ou seja, a pessoa poderá receber a receita médica e tomar em casa já no início da Covid, evitando que a doença progrida. Isso também é diferente no Regn-Cov2 (que deve ser aplicado via infusão intravenosa, em hospital, ou por quatro injeções subcutâneas na barriga).
Em suma: o Regn-Cov2 tem serventia, é importante. Mas não é a panaceia que alguns títulos podem dar a entender. E mesmo o Paxlovid e o molnuvirapir, quando chegarem ao mercado, serão usados para tratar a Covid – dificilmente para prevenir a doença. A melhor maneira de evitar o coronavírus continua a mesma de sempre: distanciamento, máscara e vacina.
Remédio que “previne Covid” tem uso bastante limitado; entenda por que Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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