sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Este parque, no Rio Grande do Sul, preserva derrames de lava de 135 milhões de anos

Este é o segundo texto do blog Deriva Continental, escrito por Breno Waichel

O município de Torres fica no extremo nordeste do Rio Grande Sul. Ele está às margens do rio Mampituba, que marca o limite entre Santa Catarina e o estado gaúcho. A cidade é conhecida por suas praias glamurosas, ensolaradas, e pelo intenso movimento de pessoas, principalmente no verão.

As praias de Torres (como Guarita, Cal e Prainha) chamam a atenção por um motivo: diferente das outras praias do estado, elas abrigam pequenas montanhas rochosas, chamadas falésias. O próprio nome do município é inspirado nos três rochedos basálticos que se erguem à beira mar, conhecidos como Torres do norte, do centro e do sul.

Localização do Parque da Guarita, Torres, Rio Grande do Sul.Bruna Wormesbecker/Divulgação

O Parque Estadual José Lutzenberger, também conhecido como Parque da Guarita, é um dos principais pontos turísticos do município. O encontro das torres de basalto com o mar forma uma paisagem de tirar o fôlego. Pelas trilhas e escadas do parque, o visitante pode observar a Agulha da Guarita e a Torre Sul.

Vista da Agulha da Guarita e da Torre Sul.Breno Waichel/Divulgação

O parque não atrai só olhares curiosos, os afloramentos rochosos à beira mar e o ecossistema da região são alvo de estudo de diversos pesquisadores (como geólogos e biólogos) e também são utilizados pelos pescadores locais que praticam a pesca de arremesso.

O Parque da Guarita é uma ocorrência singular da Província Ígnea Paraná-Etendeka localizada no litoral brasileiro. Vamos traduzir: trata-se de uma enorme área na América do Sul e África com um volume de mais de um milhão de quilômetros cúbicos de rochas vulcânicas basálticas, rochas ácidas subordinadas e rochas intrusivas. Todo esse volume de lava se formou em apenas dois milhões de anos, entre 133 e 135 milhões de anos atrás. A idade do vulcanismo foi determinada em 1992 por uma equipe de pesquisadores dos EUA e Brasil, liderada pelo professor Paul Renne.

Entre 133 e 135 milhões de anos atrás, América do Sul e África estavam unidas, formando o continente Gondwana. Estudos paleoclimáticos revelaram que a porção central de Gondwana era árida, o que levou à formação de um extenso deserto, similar ao Saara atual. Foi nesse deserto que ocorreu o grande evento vulcânico, muito maior que os que observamos hoje na Islândia, Havaí ou Ilhas Canárias.

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Aos poucos, extensos derrames de lava basáltica cobriram o deserto. As dunas foram afogadas em um mar de magma. As feições geológicas que marcam este fenômeno cinematográfico podem ser observadas na Agulha da Guarita, onde é possível colocar a mão no ponto de contato entre a Formação Botucatu e o primeiro derrame de lava da Província Paraná-Etendeka. No Brasil, em específico, essa província é denominada Grupo Serra Geral.

Contato geológico entre arenito (na base) e basalto na Agulha da Guarita.Breno Waichel/Divulgação

 

As rochas Guaritas se formaram logo após o evento vulcânico. Alguns milhões de anos depois, forças tectônicas causaram a ruptura de Gondwana, separando a América do Sul da África e formando o oceano Atlântico Sul. As rochas presentes nos contrafortes da Serra Geral (arenito e basalto), a oeste do Parque da Guarita, também existem no lado africano (Etendeka-Namíbia) – o que mostra que estas rochas se formaram enquanto os continentes estavam unidos.

Modelo 3D da Agulha da Guarita com o contato entre os arenitos eólicos e as lavas basálticas.-/Creative Commons

 

Posição de Torres no mapa do Gondwana, entre os derrames de lava na América do<br />Sul (Bacia do Paraná) e África (Etendeka, Namíbia).-/Creative Commons

Mas o que aconteceu com o restante das rochas? Por que restou apenas três rochedos à beira do mar?

É preciso ter em mente que a área de Torres e arredores era formada por arenitos recobertos por lava, e estas rochas se estendiam até a África. A ruptura dos continentes gerou imensas escarpas de ambos os lados – e a ação da chuva, gravidade vento e variações na temperatura causaram a desagregação das rochas. Os produtos da alteração das rochas foram transportados como sedimentos e depositados no fundo mar, ao longo da plataforma continental.

No Parque da Guarita – além da chuva, vento e das variações de temperatura – podemos observar a ação do mar. “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”, já cantava Dorival Caymmi.

Ele é bonito, mas também destrutivo para as rochas. O mar é irredutível, e mesmo as ondas fracas ou de ressaca que atingem os afloramentos da Guarita ao longo do dia podem causar a fragmentação e erosão das rochas. Com o passar do tempo (e com o possível aumento do nível do mar, em algumas dezenas de milhares de anos), as falésias do Parque da Guarita serão destruídas. E a Agulha da Guarita provavelmente será a primeira.

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