Quando pensamos na equação da saúde pública em relação às populações amazônicas, podemos esquecer, praticamente, tudo o que é feito, inclusive com sucesso, nas demais regiões do Brasil. Estamos em uma região singular em que a vida acontece à beira de rios ou no meio da floresta, a densidade populacional é baixa e as comunidades estão distantes, isoladas uma das outras.
Se uma criança ou um adulto quebra um braço, a depender da comunidade onde vive, pode precisar ser transportado por horas em um barco para chegar à unidade de saúde mais próxima. Se houver algum problema com o barco no meio do caminho, nem sempre o celular funciona para pedir ajuda.
Pode ser que o paciente ainda precise enfrentar adicionalmente horas de transporte terrestre em estradas difíceis para chegar a seu destino. E há localidades onde o único meio de transporte possível é o avião. É uma realidade em que a logística pode ser o fator preponderante que vai decidir entre a vida e a morte.
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Além das distâncias, dos rios e das florestas, há uma grande diversidade entre as populações em termos culturais e modos de viver – diferentes tribos indígenas, cada uma com suas peculiaridades; seringueiros; quilombolas; ribeirinhos; e agricultores familiares, só para citar alguns.
Portanto, se a saúde pública não alcança a efetividade desejada nas demais regiões do Brasil, na Amazônia esse desafio é mais complexo e assume proporções muito maiores para quem se dispõe a vencê-lo. E, entre os que se mobilizam para isso, está a sociedade civil, que historicamente tem tido um papel muito importante na assistência às populações amazônicas.
São ações que, se não resolvem o problema, certamente contribuem para amenizar o sofrimento e, indiretamente, desafogar o sistema público, cujos recursos são ainda mais escassos na região, concentrando-se na atenção primária.
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Acreditamos que esse movimento da sociedade civil tem potencial para realizar muito em prol dessas populações. Na Amazônia, a atuação de médicos, profissionais de saúde e de outras áreas – reunidos em organizações não governamentais ou representando grandes centros –, unidos a universidades e prefeituras, constitui um vetor essencial para criar e estabelecer um modelo de saúde viável para a região.
Também é possível desenvolver ações de capacitação de pessoas em todos os níveis do ecossistema – de agentes comunitários a enfermeiros e médicos locais – e promover o conhecimento científico. Nós, da ONG Zoé, por exemplo, apostamos na força dessa parceria e estamos aplicando isso para levar saúde especializada – a expertise de cada médico e profissional de saúde que participa de nossas expedições – para a população amazônica.
Nas duas primeiras incursões ali, atendemos as comunidades ribeirinhas do rio Tapajós, dos municípios de Belterra, Aveiro e parte de Santarém. Foram mais de 350 pessoas beneficiadas, com exames de ultrassonografia do abdômen e tratamento de varizes nas pernas.
Também fechamos parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) para uso do barco-hospital Abaré, e com a prefeitura de Belterra (PA), para viabilizar, na terceira expedição agora em dezembro, o funcionamento do centro cirúrgico do hospital local, além de fazer operações para correção de hérnias, exames de ultrassonografias e endoscopia digestiva alta.
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São procedimentos que têm impacto positivo na saúde e na economia local, uma vez que o maior número de pacientes atendidos exerce trabalhos braçais e estaria impedido de realizá-los e manter sua renda sem o tratamento.
Ao identificar necessidades locais e oferecer soluções, ganhamos experiência para desenvolver um modelo de assistência à saúde que pode ser replicado em outras regiões da Amazônia. Para os médicos e demais profissionais acostumados a trabalhar em grandes centros repletos dos melhores recursos, atuar na Amazônia é um aprendizado que não se obtém em qualquer faculdade.
É resgatar o melhor lado da medicina: o relacionamento humano entre quem cuida e quem necessita do cuidado. É trabalhar muito e, mesmo assim, voltar com a real sensação de que se ganhou muito mais do que doou. Nós acreditamos que todas as pessoas têm em suas mãos o poder de impactar o mundo de modo positivo, seja com grandes ou pequenas ações.
* Marco Aurélio D’Assunção é médico endoscopista, fundador e presidente da ONG Zoé; Fabio Atuí é cirurgião do aparelho digestivo, fundador e membro da diretoria da ONG Zoé
Um olhar para a saúde das populações amazônicas Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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