Em 1980, a cantora Rita Lee foi convidada pelo diretor Nilton Travesso para escrever o tema de abertura de TV Mulher, um programa de variedades voltado para o público feminino, apresentado por Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias, na TV Globo.
Em poucos dias, ela compôs, em parceria com o marido, Roberto de Carvalho, a música As Duas Faces de Eva, depois rebatizada de Cor de Rosa Choque.
Como já era esperado, a censura federal implicou com um dos versos da canção: “Mulher é bicho esquisito / todo mês sangra”, que falava sobre ciclo menstrual. Quando isso acontecia, Rita tinha de ir até Brasília para negociar a liberação da música.
“Sabe quando a senhora, antes de menstruar, sente uma esquisitice hormonal e meio que dá uma pirada?”, indagou Rita a Solange Hernandes, então chefe da Divisão da Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Ministério da Justiça. “Então, é isso o que eu quis dizer”.
Não foi a primeira vez. Os versos “Me deixa de quatro no ato”, de Lança Perfume (1980); “Bolinando com água e sabão”, de Banho de Espuma (1981); e “Chupando drops de anis”, de Flagra (1982), também irritaram os censores. Mas, depois, as canções foram liberadas – às vezes, com alguns ajustes na letra.
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Ao longo da carreira, Rita Lee compôs músicas sobre diversos temas relacionados à saúde e bem-estar. “Eu sei que agora eu vou é cuidar mais de mim”, soltava a voz em Saúde (1981).
Ou ainda: “Quero saúde pra gozar no final”, cantava em Nem Luxo, Nem Lixo (1980).
Sobre Aids, gravou duas: Vírus do Amor (1985), da dupla Rita & Roberto, e O gosto do azedo (1998), de Beto Lee. “Eu sou o HIV que você não vê / Você não me vê, não / Mas eu vejo você”, diz a letra do filho da roqueira.
Em Rita Lee – Uma Autobiografia, da Globo Livros, de 2016 (clique aqui para comprar), a cantora refletiu sobre dependência química. “Não faço a Madalena arrependida com discursinho antidrogas. Não me culpo por ter entrado em muitas. Eu me orgulho de ter saído de todas”, escreveu. O primeiro volume de memórias já vendeu 350 mil exemplares.
Em 2005, quando nasceu Izabella, sua primeira neta, a cantora disse adeus às drogas — ao álcool, à maconha e ao LSD. Mas, se esqueceu do cigarro, que fumava desde os 22 anos.
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“Com a pandemia, aquele baixo-astral no mundo, passei a fumar o triplo de antes”, admitiu, em entrevista ao jornal O Globo, de setembro de 2021.
Em maio daquele ano, Rita agendou uma consulta no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para investigar um mal-estar logo após tomar a segunda dose da vacina contra Covid.
“Até então, imaginava que fosse voltar para casa naquele mesmo dia. Devia ser uma bronquite e um remedinho daria conta de me deixar nos trinques”, conta em Rita Lee: Outra Autobiografia (clique aqui para comprar na pré-venda), que chega às livrarias no próximo dia 22, dia de Santa Rita de Cássia, a santa das causas impossíveis, com uma tiragem de 100 mil exemplares.
No dia seguinte, porém, após se submeter a uma tomografia, Rita Lee foi diagnosticada com um tumor primário no pulmão esquerdo.
“Quantas vezes não disse que teria de pagar algum pedágio da vida?”, declarou, na mesma entrevista ao Globo.
Foi submetida, então, a sessões de imunoterapia, radioterapia e quimioterapia. Comparou, em um trecho de seu novo livro, uma sessão de químio a uma luta com Mike Tyson.
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Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de pulmão é o terceiro mais comum entre os homens (próstata vem em primeiro e cólon e reto, em segundo) e o quarto entre as mulheres (depois de mama, cólon e reto e colo do útero).
O tabagismo ainda é o principal fator de risco.
Entre uma sessão e outra, Rita voltou a escrever suas memórias.
Em Outra Biografia, fala dos bastidores do tratamento: desde sua decepção com a comida vegana do hospital – o patê de grão de bico, descreve, tinha gosto de parede e a sopa de couve-flor, de cal – até a decisão de passar a máquina zero para “fugir daquela cena manjada de passar a mão na cabeça e tirar tufos inteiros de cabelo” – “Com cabelo eu parecia mais com minha mãe, careca fiquei a cara do meu pai”, compara, bem-humorada.
Em abril de 2022, Beto Lee anunciou, em suas redes sociais, que a mãe estava curada do câncer. “Melhor notícia de todos os tempos”, festejou, no Instagram.
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A remissão pode ser completa, quando todos os sinais e sintomas da doença, após uma nova bateria de exames de imagem e de laboratório, estão ausentes, ou parcial, quando estão apenas reduzidos.
“Vencer um câncer exige foco, coragem e fé. Se conseguir ter bom humor, melhor ainda”, afirmou em Outra Autobiografia.
Apesar da remissão do tumor, Rita voltou a ser internada em fevereiro de 2023.
“Como qualquer pessoa que passou ou que passa por tratamento oncológico, internações para exames e avaliações podem ser necessárias”, explicou o marido, Roberto de Carvalho, em uma rede social.
Rita Lee Jones de Carvalho morreu no último dia 8, aos 75 anos. Deixou marido, Roberto de Carvalho; três filhos, Beto, João e Antônio; dois netos, Izabella e Arthur; e 324 canções.
A cantora e compositora foi a primeira a admitir, na letra de Jardins de Babilônia (1978), que sua saúde não era de ferro, não – embora seus nervos fossem de aço.
Aos seis anos, operou as amígdalas. Tão logo voltou para casa, aprontou das suas: resolveu brincar no muro de casa e levou um tombo daqueles.
Conclusão: quebrou os dois pés de uma vez só. “Com ambos engessados, me locomovia de bunda no chão”, relata no livro.
Aos quinze, rolou a escada e deslocou os quadris. Ao examinar o raios-X, o médico previu que, no futuro, seria difícil engravidar. Teve três filhos – todos por cesariana.
Aos 49, sob efeito de remédios, despencou de uma varanda, “de uns quinze metros de altura”, e esfacelou o maxilar.
“Meu queixo tinha ido parar no joelho”, relata. “Passei doze horas na mesa de cirurgia. Consertaram o estrago colocando um pino de titânio”.
Aos 63, aconselhada por sua ginecologista, se submeteu a uma dupla mastectomia. Sua mãe, Romilda Padula, a Chesa, morrera de câncer de mama em 1986.
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“Prefiro ficar sem peitos e tranquila a ficar com eles e paranoica”, explicou, em entrevista à IstoÉ, em setembro de 2010.
“Algo me diz que tenho escrito muito sobre a morte. Aliás, por que há tanta gente que até se benze quando tocamos no assunto?”, se indaga em outro trecho da nova biografia.
“A morte é a única verdade: cada dia a mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra que fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor? Desta vida, não escaparemos com vida”.
Rita Lee será lembrada também em um documentário e uma cinebiografia, da produtora Biônica Filmes, ambos em fase de produção e sem previsão de lançamento.
Rita Lee: Outra autobiografia
Em nova autobiografia, Rita Lee avalia: “Cada dia a mais é um dia a menos” Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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