Você já deve ter saído do seu médico com orientação para praticar exercícios, usar protetor solar, parar de fumar, dormir melhor e comer de forma mais saudável.
Mas, no que diz respeito à alimentação saudável, algum médico já te explicou como atingir esse objetivo na prática? Ou seja, você já foi orientado sobre a melhor forma de preparar sua comida?
Estamos vivendo uma pandemia de doenças relacionadas ao chamado estilo de vida moderno, como obesidade, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, diabetes, apneia do sono, tumores, doenças gastrointestinais, entre outras.
E a alimentação desequilibrada é um dos fatores mais relevantes nesse aspecto. Daí a importância de termos informações mais precisas sobre esse assunto.
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Cozinhar mais para adoecer menos?
Um estudo publicado no Nutrition Journal mostrou que, nos últimos 40 anos, houve uma redução de 40% no consumo de alimentos feitos em casa e no hábito de cozinhar.
Com isso, veio um aumento significativo no consumo de alimentos ultraprocessados – ricos em sódio, açúcar refinado e gorduras saturadas –, o que aumenta diretamente os riscos das doenças em questão.
Chega a ser devastador pensar que um terço das crianças nascidas após os anos 2000 sejam potenciais portadoras de diabetes, por exemplo.
De acordo com um estudo publicado no New England Journal of Medicine, pela primeira vez na história dos Estados Unidos as crianças americanas terão uma vida mais curta do que seus pais. É um baita retrocesso.
O Journal of Economic Perspectives trouxe uma reflexão interessante em uma matéria.
Veja: os Estados Unidos e o Reino Unido são as nações com maior prevalência de obesidade.
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Em contrapartida, França e Itália, países com uma forte tradição culinária, apresentam menores taxas dessa doença em sua população.
Paradoxalmente, então, os países em que os habitantes gastam mais tempo preparando comida são justamente os que têm menores taxas de obesidade.
Não podemos levar isso como uma relação causal direta, porém, inspira uma reflexão provocativa.
De acordo com pesquisas publicadas no Public Health Nutrition, indivíduos que cozinham de seis a sete jantares em casa por semana consomem uma média de 137 calorias a menos por dia do que aqueles que comem, no máximo, um jantar caseiro.
Essa redução da densidade calórica é observada mesmo entre aqueles indivíduos que não tenham a intenção de realizar uma dieta para perda de peso.
Outros estudos ainda associaram o hábito de cozinhar à redução do risco de desenvolver diabetes e até de morrer.
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A comida dentro dos consultórios
Supreendentemente, nos deparamos com uma lacuna na educação culinária e nutricional, não somente da população em geral, mas também dos profissionais de saúde.
Para se tornar um cardiologista, por exemplo, são necessários treinamentos e estudos sobre diversas patologias, procedimentos e exames, porém, a formação acadêmica não inclui ensinamentos a respeito de nutrição e técnicas culinárias.
Vale ressaltar que não estamos falando somente de prevenção: isso vale também para o tratamento de doenças. É a chamada medicina culinária.
Ora, o médico, apesar de não ser personal trainer ou fisioterapeuta, conversa com o paciente sobre atividade física, faz orientações de metas de exercícios e muitas vezes sugere modalidades esportivas.
Por que, então, não conversar sobre táticas para o paciente se alimentar melhor? Não precisa ser chefe de cozinha ou nutricionista para isso.
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Aliás, esse é um campo emergente na área de saúde, que casa a ciência médica com a arte da culinária, tudo com base em evidências científicas.
E quando menciono as evidências científicas, estou querendo excluir fortemente os diversos conteúdos de redes sociais que proclamam falsas verdades.
Isso tudo deixa as pessoas mais confusas, criando barreiras para a prática de uma alimentação verdadeiramente mais saudável.
O que ensina a medicina culinária
O objetivo dessa área não é indicar receitas saudáveis superelaboradas nem falar de dietas específicas.
É realmente uma mistura de ciências que envolve alguns pilares, como técnica culinária simples e educação nutricional básica.
Isso envolve, por exemplo, orientações sobre qual gordura usar em diversas refeições, quais alimentos evitar e ideias de substituições no dia a dia, etc.
É interessante pontuar que essa área não é excludente quanto aos ingredientes. Sendo assim, não há problema em usar um pouco de queijo amarelo mais gordo para finalizar um preparo ocasionalmente.
Afinal, quando você sabe qual ingrediente tem mais substâncias prejudiciais à saúde (como as gorduras saturadas nesse caso dos queijos amarelos), consegue usá-lo na quantidade e na frequência corretas.
Agora, concorda que não adianta ter conhecimento de técnicas básicas culinárias e de conceitos nutricionais se não houver organização ou tempo para colocar isso em prática?
Então, entendendo esse cenário, a medicina culinária vai além: envolve o “coaching culinário”, que ajuda o paciente a se programar por meio de alguns ensinamentos básicos.
Nesse sentido, há dicas para fazer lista de compras, otimizar o tempo na cozinha, congelar e porcionar alimentos, reaproveitar e usar “sobras”, e por aí vai.
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Mais prevenção, menos remédio
Cabe destacar que estamos correndo atrás da cura e do tratamento de diversas doenças a partir do lançamento diário de medicações, e acabamos ignorando uma lacuna gigante, que envolve diretamente a origem dessas doenças.
Estudos de grande impacto mostram que um padrão alimentar saudável pode reduzir em até 30% o risco de doenças cardiovasculares em indivíduos de alto risco – impacto semelhante ao das estatinas, uma das medicações mais usadas para essa finalidade.
A medicina culinária é um olhar simples e, ao mesmo tempo, complexo e holístico.
Não é ir além. Pelo contrário: é definitivamente dar um passo para trás, para o básico, para o simples, recuperando e corrigindo déficits educacionais e hábitos de vida.
Dessa maneira, é possível guiar a caminhada do paciente de forma mais assertiva e atuar de forma completa nas principais patologias que afetam a população atualmente.
*Karla Gouvea é cardiologista titulada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia com fellow em Miocardiopatias pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e nutróloga titulada pela Associação Brasileira de Nutrologia. Também é chefe de cozinha, certificada “Culinary Coach” em medicina culinária pela Escola de Medicina de Harvard
Medicina culinária: saiba o que é essa área emergente da saúde Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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