Se você espiar o dicionário, vai notar que o verbete “dieta” tem duas acepções principais: o tipo de alimentação de um indivíduo, grupo ou povo; ou um plano nutricional prescrito por um profissional para dar conta de alguma queixa ou necessidade do paciente.
Mas, quando a gente depara com esse termo na internet e no noticiário, imagino que o primeiro significado que vem à cabeça é o de um programa sob medida para emagrecer ou se libertar de problemas de saúde.
O que faz sentido, não fosse a aura de varinha mágica que as dietas ganharam nos últimos anos — ou seriam décadas?
A palavra se revestiu de uma carga simbólica que atrai cliques, olhares e bolsos, ao mesmo tempo que é solenemente criticada por cientistas, médicos e nutricionistas preocupados com as falsas promessas embutidas nela.
Talvez tenhamos, nós da mídia, que expressar um mea culpa, por usar e abusar durante bastante tempo de dietas como iscas para fisgar e cativar a audiência.
O fato é que, na feira livre das redes sociais, as prescrições alimentares continuam atraindo fãs. E se reciclam. Viralizam. Afinal, nada se perde, tudo se transforma.
O mercado das dietas é dos mais resilientes, pois todo mundo come e, se possível, quer fazer da comida um passaporte para uma vida mais feliz e saudável.
Não é de hoje que se nutre tal pensamento. É atribuída a Hipócrates, o pai da medicina ocidental, a célebre frase: “Que seu alimento seja seu remédio”. Lá se vão mais de 2 mil anos em que ecoamos essa ideia feito sentença.
E ela tem um fundo de verdade. Mas, com o conhecimento adquirido até a segunda década do século 21, não dá mais para levá-la completamente a ferro e fogo.
Como sintetiza uma das especialistas entrevistadas na reportagem de capa sobre a dieta anti-inflamatória, a bola da vez nos consultórios e na internet: “As pessoas estão confundindo alimentos com medicamentos”.
Só que cada um tem sua função — comida é mais gostosa que remédio; e remédio faz coisas que nenhuma comida é capaz de fazer.
O problema é que tem gente (com diploma e tudo, inclusive) divulgando e comercializando cardápios como receita infalível para controlar e até curar doenças.
Profissionais e influenciadores professando que é bobagem tomar as drogas criadas por uma gananciosa indústria farmacêutica como se os menus, suplementos, cursos e vídeos que eles prescrevem não lhes dessem lucros.
E o pior: para vender o peixe (pobre peixe, inocente nessa história), distorcem conceitos e achados científicos a fim de pescar clientes loucos para ter um quinhão a mais de saúde.
Passou da hora de virar essa mesa. Do contrário, só nos resta dizer: pobre dieta, tão longe do dicionário e tão perto dos influencers e das redes sociais.
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Prescrições do editor
Para quem gosta de investigações sobre o mundo e a mente
Império da Dor
Autor: Patrick Radden Keefe
Tradução: Bruno Casotti e Natalie Gerhardt Editora: Intrínseca
Páginas: 544
Um trabalho de detetive que desvenda como uma família e sua farmacêutica desataram a trágica epidemia de vício em opioides nos Estados Unidos, um mal que começou a ser exportado.
Império da Dor
Último Olhar
Autor: Miguel Sousa Tavares
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 272
Último Olhar
Um romance assinado por um escritor português sobre como a pandemia e outras catástrofes, caso da Segunda Guerra, transformaram o jeito de lidar com os outros e com a própria finitude.
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O podcast que apura fraudes e crimes envolvendo ciência e pseudociência mostra como um movimento antivacina ganhou voz e dinheiro em nosso país.
Por um regime de ideias e modismos Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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