O número de hospitalizações por infarto no Brasil aumentou cerca 150% entre 2008 e 2022, segundo levantamento recente do Instituto Nacional de Cardiologia (INC).
Além disso, outros indicadores apontam uma alta especificamente entre os jovens. Nas mulheres entre os 15 e 49 anos, por exemplo, a incidência de infartos, não de mortes, subiu 62% entre 1990 e 2019, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Esses dados são reais, mas têm sido erroneamente associados nas redes sociais à vacina da Covid-19.
“A taxa vem aumentando progressivamente desde os anos 1990, por outros fatores. Nenhum dado indica uma diferença relacionada à imunização”, explica a cardiologista Gláucia Maria Moraes de Oliveira, do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC.
Acontecimentos pontuais, como a parada cardíaca revertida do jogador de basquete Bronny James, nos Estados Unidos, corroboraram o mito pela internet.
A “explosão de casos”
Vamos aos números. O levantamento do INC indica um crescimento de 158% no número de internações por infarto entre 2008 e 2002. Isso não em jovens, mas em toda a população, usando os dados do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 2008, a média mensal de hospitalizações era de 5.282,33 para os homens e 1.930,67 para as mulheres. Em 2022, 13.645,25 e 4.973,25, respectivamente.
Esses números são os chamados absolutos ou brutos. Ou seja, representam o total de eventos ocorridos. Era esperado que aumentassem no período. Ora, a população está mais numerosa, mais velha e com mais doenças crônicas como diabetes e hipertensão, muito ligadas a problemas cardíacos.
“Isso tudo impacta nas estatísticas, e temos que considerar também que hoje diagnosticamos melhor o infarto”, aponta a cardiologista Aurora Issa, diretora do INC.
Para dizer que de fato os infartos estão se tornando mais comuns é necessário olhar para a taxa de incidência, um cálculo que leva em conta o número de eventos por fatia da população. Por exemplo, a cada dez ou cem mil habitantes. É o número mais importante para a saúde pública.
Nesse sentido, os principais números disponíveis foram publicados em 2022, considerando a série histórica do SUS entre 1990 e 2019. “Há um aumento entre todas as faixas etárias, mas mais significativo nos jovens”, esclarece Gláucia.
Só que está longe de ser essa “explosão” que se aventa. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a taxa de incidência de infarto cresceu 5% no período entre os homens de 15 a 49 anos e e 7,6% nas mulheres da mesma idade.
Da pandemia para cá (2020-2022), os números absolutos seguem em alta, e a incidência deve ser recalculada por conta da divulgação do último censo.
“Mas podemos adiantar que vemos a mesma tendência de aumento progressivo de infarto e da mortalidade geral por AVC e outras doenças cardiovasculares”, diz Gláucia.
Em relação à taxa de mortalidade específica por infarto, o que se observa entre 1990 e 2019 é uma queda na maioria das faixas etárias, incluindo os jovens, devido a avanços no tratamento e no diagnóstico.
As causas por trás do aumento
O infarto acontece quando o fluxo de sangue para o coração é interrompido por um bloqueio nas artérias coronárias. Esse bloqueio é provocado pelo rompimento da placa de gordura que se forma na parede das artérias com o tempo.
Isso normalmente leva anos para acontecer. De acordo com os especialistas, contudo, a faixa etária tem diminuído por causa da exposição cada vez mais precoce aos principais fatores de risco para doenças cardíacas, como a obesidade e o estilo de vida não saudável.
“Nos mais jovens, o infarto está relacionado ao ganho de peso, à exposição desde cedo aos alimentos ultraprocessados, consumo de drogas e cigarros, inclusive os eletrônicos, que antecipam em até 15 anos as doenças cardiovasculares, segundo estudos”, aponta o cardiologista Agnaldo Piscopo, diretor do Centro de Emergências Cardiovasculares da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
Piscopo destaca que a pandemia piorou a situação. “Quase 20% dos indivíduos têm obesidade, 72% estão com sobrepeso e há um aumento generalizado do estresse”, completa.
+ Leia também: O que explica o aumento da obesidade entre jovens no Brasil?
A cada pico de estresse, o corpo libera hormônios como o cortisol, que alteram o fluxo sanguíneo e o nível de substâncias inflamatórias em circulação. A inflamação, também presente na obesidade, é o principal fator a desestabilizar as placas de gordura.
Uso de hormônios como a testosterona, hipertensão, histórico familiar também são facilitadores do piripaque nessa faixa etária, ressalta o cardiologista Antonio Mansur, diretor do Serviço de Prevenção, Cardiopatia na Mulher e Reabilitação Cardiovascular do Instituto do Coração (InCor) e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Outra questão pungente é a desigualdade social.
Como exemplo, Mansur cita dados da cidade de São Paulo. Entre 2012 e 2023, 1.243 paulistanos com menos de 30 anos morreram de infarto. “Nas regiões ricas, ocorrem cerca de 2 óbitos por bairro. Nas periféricas, o número ultrapassa os 60”, conta.
Vacinas provocam infarto?
Todos os cardiologistas ouvidos pela matéria — que, vale lembrar, representam a Sociedade Brasileira de Cardiologia, a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, o Instituto Nacional de Cardiologia e o Instituto do Coração (InCor) — reforçam que não há relação entre as vacinas da Covid-19 e aumento de infarto.
“Não há nenhum mecanismo pelo qual a vacina provocaria a aterosclerose [formação das placas de gordura] ou infarto. Estudos avaliaram dezenas de milhões de vacinados nos Estados unidos e não encontraram maior incidência de ataque cardíaco entre eles”, aponta Piscopo.
O que existe é um risco de miocardite (inflamação no músculo cardíaco), que é pequeno em geral, mas maior nos jovens.
A miocardite é um evento adverso em geral leve, temporário e controlável com medicamentos. E que ocorre com mais frequência depois de uma infecção pelo Sars-Cov-2, apontam estudos.
“Ela pode ser uma reação raríssima inclusive de outras vacinas, mas não levamos isso tanto em conta porque os benefícios ultrapassam de longe os riscos”, reforça Mansur.
Aliás, o que a ciência mostra é o contrário do que se afirma nas redes desinformadoras. “Em populações imunizadas contra a gripe, por exemplo, a incidência de infarto reduz cerca de 5%. Não há vacinas contra o infarto, mas vacinar faz infartar menos”, completa Piscopo.
Morte súbita
Em julho, Bronny James, jogador de basquete de 18 anos, filho de Lebron James, sofreu uma parada cardíaca durante um treino. O socorro foi rápido e James se recupera sem sequelas.
O evento é considerado uma “morte súbita abortada”, e é confundido frequentemente com o infarto.
“A morte súbita é uma parada cardiorrespiratória abrupta, que pode acontecer pelo infarto ou por outras causas. Nos jovens, as principais são a arritmia cardíaca e doenças estruturais que até então eram desconhecidas”, aponta Piscopo.
Nesse sentido, não há registro de aumento de mortes súbitas na faixa etária. “Elas continuam acontecendo na mesma taxa de sempre”, esclarece o cardiologista.
Sintomas de infarto em jovens
Apesar de não haver relação com a vacina, é fato que o coração dos joves está mais ameaçado por fatores relacionados ao estilo de vida.
Neles, a chance de que a pane leve à morte nas primeiras horas é maior do que nos idosos. Por isso, é importante ficar atento aos sinais de alerta e procurar assistência médica imediata. São eles:
- Aperto no peito
- Queimação
- Suor frio
- Palidez
- Falta de ar
- Confusão mental
Nas mulheres, em especial, os sintomas são diferentes, e costumam ser menosprezados como crises de ansiedade ou problemas emocionais. “É importante treinar os médicos para descartar o infarto antes de tudo”, comenta Piscopo.
Melhor ainda seria prevenir o problema, e, infelizmente, isso não é tão simples quanto negar uma vacina.
Ser ativo, dormir bem, comer de forma equilibrada, não fumar, manter o peso e evitar doenças crônicas são as medidas mais celebradas pela ciência para manter o coração saudável por mais tempo.
Infartos em jovens aumentam há décadas, e não por causa de vacinas Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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