segunda-feira, 24 de outubro de 2022

FODMAP: sigla em alta na dieta

Basta rotular qualquer prescrição ou restrição alimentar de “seca-barriga” para que ela ganhe notoriedade. Não importa se a estratégia foi criada para um grupo de pessoas com alguma necessidade ou dentro de um contexto específico, quando há indícios de que ela possa afinar a cintura, cai na boca do povo.

É o que tem acontecido com a chamada dieta low FODMAP, que escapou dos consultórios de médicos e nutricionistas e se espalhou por redes sociais, blogs, sites e afins. Primeiro, vamos decodificar essa expressão de origem inglesa.

FODMAP é a sigla para certos tipos de carboidrato que não são totalmente digeridos pelo organismo, mas fermentados por bactérias da nossa microbiota intestinal.

Só que, para pessoas com a síndrome do intestino irritável (SII), eles geram inconvenientes como distensão e inchaço abdominal. A dieta low FODMAP, como sugere o low (baixo, em inglês), busca reduzir a oferta dessas substâncias e foi desenhada justamente para quem tem SII. Mas falou em efeito na barriga, já viu… A intervenção também foi apoderada por gente querendo emagrecer.

“Trata-se de um plano nutricional personalizado, com período determinado para acabar”, esclarece, de cara, a nutricionista Natasha Mendonça Machado, pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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A premissa do low FODMAP é a exclusão temporária de alimentos que, a rigor, são essenciais à saúde, caso de algumas frutas e hortaliças. Por isso, tudo tem de ser acompanhado bem de perto por um profissional que domine o assunto.

“Há pessoas usando tabelas, facilmente encontradas na internet, e cortando vegetais e lácteos por conta própria, o que pode levar ao déficit de vitaminas e minerais”, alerta a nutróloga Eline de Almeida Soriano, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Tais listas são baseadas em uma classificação desenvolvida por estudiosos da Universidade Monash, na Austrália, e apontam alimentos que contêm muito ou pouco FODMAP — desmembrando a palavra, a letra F designa o processo de fermentação, o O é de oligossacarídeos, o D refere-se aos dissacarídeos, o M aos monossacarídeos e, por fim, o P é a inicial de polióis.

E lá se vão mais de duas décadas em que os cientistas australianos voltaram seu olhar ao impacto dessas moléculas na digestão, sobretudo em quem convive com a tal síndrome do intestino irritável.

De fato, nos últimos anos pesquisas tocadas mundo afora têm confirmado a eficácia desse protocolo dietético: ele diminui sintomas como gases, inchaços, dores, diarreias e cansaço atrelado à condição. “Mas nem todos os pacientes respondem à dieta e não há como prever os que irão melhorar ou não”, pondera a gastroenterologista Karoline Garcia, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Ponto pacífico é que há muito a desvendar sobre a SII. “Falamos de um problema complexo, com diversas variáveis, e o tratamento envolve desde modificações no cardápio até o uso de medicamentos e probióticos”, afirma Flávio Kawamoto, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Moriah, na capital paulista.

A nutricionista Andrea Esquivel, do Centro de Diagnósticos em Gastroenterologia (Cedig), em São Paulo, inclui nesse arsenal as enzimas digestivas, vendidas em forma de cápsulas ou sachês, cuja missão é facilitar a quebra dos carboidratos. “Mas é fundamental avaliar a saúde como um todo antes de considerar as opções terapêuticas e tomar cuidado para não restringir demais a dieta”, frisa.

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Uma análise feita pela Universidade de Pisa, na Itália, revela que cerca de 60% das pessoas acometidas pela síndrome do intestino irritável enxergam a comida como gatilho para os sintomas.

No distúrbio, as terminações nervosas da parede do intestino, que controlam os movimentos do órgão, ficam bastante sensíveis. Assim, estímulos mínimos, como fazer um lanche com algum ingrediente rico em FODMAP, desencadeiam respostas exacerbadas, entre elas a distensão.

As revisões da literatura científica reforçam que, quanto mais FODMAP houver no cardápio, maior o risco de padecer com essas chateações na rotina.

Ao visitarmos o universo dos carboidratos, conseguimos entender melhor o angustiante elo entre a comida e os sintomas de SII. Esse grupo de nutrientes, essencial para obtermos energia, engloba desde moléculas simples, formadas por poucas unidades de glicose, até as que somam centenas e centenas delas.

A letra O do acrônimo FODMAP representa os oligossacarídeos — o nome vem do grego oligos, que significa “poucos”, e sakcharon quer dizer “açúcar”. Alguns integrantes dessa turma, que soma até dez moléculas de glicose, são a rafinose e a estaquinose, ambas presentes nos feijões. O grupo abrange ainda os chamados fruto-oligossacarídeos (FOS) e os galacto-oligossacarídeos (GOS). Trigo, alho, aspargo, alcachofra, beterraba, cebola, chicória, caqui, melancia, brócolis e pimentão são exemplos de fontes.

O D de FODMAP refere-se aos dissacarídeos, constituídos de apenas duas unidades de glicose. “Os mais comuns são a sacarose, a lactose e a maltose”, expõe a nutricionista Renata Juliana da Silva, coordenadora do Curso Técnico em Nutrição e Dietética Integrado ao Ensino Médio — ETEC Uirapuru, em São Paulo.

Eles estão no açúcar de mesa, no leite e em seus derivados — que atormentam as pessoas com a famigerada intolerância à lactose. Ao chegarmos ao M, de monossacarídeos, deparamos com as menores moléculas de carboidrato, caso da frutose e da galactose. Frutas, mel, xarope de milho e laticínios contêm esses tipos.

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No final da aula de química, temos o P, de polióis, que não são carboidratos de verdade. “Eles apresentam uma estrutura parecida tanto com a do açúcar quanto com a do álcool”, ensina a nutricionista Beatriz Salvalágio, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Aqui você encontra um desfile de nomes com o mesmo sufixo: xilitol, eritritol, sorbitol, manitol…

“São substâncias amplamente utilizadas pela indústria como adoçantes, mas também aparecem naturalmente no abacate, na maçã, na couve-flor e nos cogumelos”, conta Beatriz. Espie ainda os rótulos de barrinhas de cereais, gomas de mascar e pastilhas, pois eles costumam estar ali.

Como você viu, os integrantes dos FODMAP apresentam poucas unidades de glicose em sua estrutura. Além disso, em certos casos, sua disposição química, ou seja, a forma como suas moléculas se interligam, é toda peculiar.

Resumindo uma longa história de reações, essas características explicam por que tais carboidratos não são totalmente quebrados pelas enzimas digestivas do corpo e acabam sendo fermentados — o que nos leva à letra F da sigla.

Como isso acontece? Esses elementos atraem água durante a passagem pelo intestino delgado e, seguindo para o intestino grosso, fazem a festa dos micro-organismos que vivem ali. São as bactérias da nossa flora que fermentam os FODMAP, num processo que gera gases como metano e dióxido de carbono.

Em um organismo saudável, a produção diária desses gases (de cerca de 1 litro) é eliminada — com constrangimentos ou não — ao longo das 24 horas. Mas, em indivíduos sensíveis, especialmente quem tem SII, desconfortos passam a dar as caras.

“Além dos gases, a fermentação pode disparar cólicas, distensão abdominal e borborismos, que são ruídos intestinais”, elenca Eline.

Vamos combinar que conviver com esses sintomas mexe com a qualidade de vida, né? Daí o conselho de procurar um profissional e traçar um plano de contenção. “É fundamental ter o diagnóstico correto e uma orientação especializada”, ressalta a nutricionista Tarcila Campos, do Hospital Oswaldo Cruz.

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Na prática, porém, não é pouca gente que corta alimentos por conta, culpando um ou outro pelos incômodos. Uma das vítimas preferenciais é o glúten. Essa proteína, presente em pães e massas, provoca danos à mucosa intestinal apenas de pessoas celíacas ou intolerantes.

“E o glúten nem faz parte dos FODMAP”, pontua Natasha. Isoladamente, não faria mal nem dispararia sintomas em alguém que só tem SII. A nutricionista adverte, porém, que alguns alimentos, caso do trigo, contêm a proteína e os carboidratos fermentáveis. “Por isso precisamos avaliar a sensibilidade do paciente individualmente”, atesta.

Pelo protocolo criado na Universidade Monash, endereçado a quem recebeu o diagnóstico de intestino irritável, a dieta com baixo teor de FODMAP tem de seguir três etapas.

A primeira é a da restrição e pode durar de quatro a oito semanas. Todos os itens ricos em FODMAP precisam ser excluídos do cardápio e o nutricionista aponta as melhores substituições. Quando se observa alívio nos sintomas, é hora de partir para o passo seguinte.

Na fase 2, é feita a reintrodução desses elementos, e o período varia de acordo com o organismo de cada um. Os alimentos são oferecidos aos poucos, separadamente, para que se verifique a tolerância.

Finalmente, o terceiro ciclo é chamado de personalização e determina o que deve ser consumido com maior cautela para evitar desconfortos. A regra é apostar na variedade.

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Como não se trata de um programa simples, é fundamental o monitoramento de profissionais de saúde. Se mal seguida e estendida por prazos ilimitados, a dieta abre brechas a encrencas.

Estresse, ansiedade, transtornos alimentares, carência de nutrientes, entre outros problemas, são relatados”, sinaliza a nutricionista Silvia Ramos, do Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região (CRN-3). “Pode haver também alterações na microbiota intestinal”, completa Karoline. Uma bagunça que não se restringe ao aparelho digestivo, convém lembrar.

Tantas repercussões acontecem porque diversas fontes de FODMAP são também ricas em fibras, muitas delas com uma ação fundamental para o equilíbrio dos micro-organismos que moram no intestino.

Aliás, é importante deixar claro que a fermentação nem sempre tem efeitos negativos. Graças a esse processo encabeçado pelas bactérias que hospedamos, são produzidas substâncias que atuam como guardiãs da nossa saúde.

Um dos grupos mais estudados é o dos ácidos graxos de cadeia curta, cuja sigla é AGCC. Acetato, butirato e propionato representam o time, que, entre outras benesses, blinda o intestino de inflamações e preserva a integridade da região.

Pesquisas mostram que zelar pela microbiota contribui, ainda, para a síntese de neurotransmissores. Um dos principais é a serotonina, envolvida na emissão de sinais que chegam ao cérebro, regulando sensações de bem-estar e de dor.

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São detalhes caros a qualquer cidadão, ainda mais a quem pena com a SII. Esses fenômenos pedem nossa atenção porque, ao guiar-se por tabelas e limar uma porção de frutas, hortaliças e grãos integrais sem critério, você aplica, sem querer, um golpe na microbiota — e, por tabela, no seu organismo. “Nesse sentido, é preciso levar em conta todo o estilo de vida, não apenas o que vai ao prato”, salienta Tarcila.

De qualquer forma, algumas recomendações para o momento de comer e cozinhar são especialmente bem-vindas. Andrea Esquivel destaca o papel da mastigação: quanto mais o alimento permanece sendo triturado pelos dentes, mais fácil fica para a digestão depois. “A saliva contém enzimas encarregadas de ajudar a diluir as partículas sólidas da comida”, acrescenta.

Não é preciso entrar em paranoia e contar o número de mastigadas. Mas dar o devido tempo para sentir direito a textura e o sabor das refeições. Outra sugestão clássica é evitar os exageros, que podem deixar qualquer um empachado. “Mesmo que o feijão feito pela sua mãe seja irresistível, melhor parar na primeira concha”, brinca Tarcila.

Por falar em feijões, alimentos altamente nutritivos e fontes de FODMAP, algumas táticas culinárias atenuam os efeitos indesejáveis dos carboidratos fermentáveis.

Segundo a professora Renata, processos que envolvem água e aquecimento reduzem o teor de oligossacarídeos. O truque mais conhecido é o remolho, pelo qual deixamos as leguminosas (que ainda incluem soja, ervilha, lentilha e grão-de-bico) de molho por pelo menos oito horas e trocamos a água duas vezes antes de mandar à panela.

É por causa de manipulações desse tipo, e outras visando à conservação, que grãos enlatados costumam apresentar uma quantidade menor de FODMAP.

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Andrea, que é chef de cozinha, aposta, ainda, em ervas e especiarias, que, além de incrementar os pratos, favorecem a digestão. “Alecrim, erva-doce, louro, tomilho e sálvia ajudam a reduzir os gases”, ensina. Sem contar que o aroma desses ingredientes, captado pelo cérebro, instiga a produção de saliva e suas enzimas.

Para quem enxerga a cozinha como hobby, preparar as receitas é também um jeito de dar um chega pra lá no estresse. “Viver com SII é uma gangorra diária, pois o emocional está sempre no meio da equação, e, quando ele padece, nenhuma dieta resolve”, observa Silvia. Cuidar da cuca com as artes culinárias é uma prescrição bem mais proveitosa do que riscar alimentos por conta própria.

A síndrome do intestino irritável

Cólicas, barriga inchada, gases, diarreia e, em alguns casos, constipação estão entre os principais sintomas dessa condição, que, segundo estimativas, acomete cerca de 10% da população mundial.

As causas que levam uma pessoa a apresentar a síndrome não são totalmente conhecidas, mas o componente emocional parece ter relevância. O diagnóstico é feito a partir da descrição detalhada dos sintomas, além de exames para excluir a possibilidade de outros problemas intestinais.

Alimentos ricos em FODMAP

<span class="hidden">–</span>Fotos: Alex Silva (cebola), Gustavo Arrais (feijão) / Ilustração: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital
<span class="hidden">–</span>Fotos: Dercilio (maçã), Bruno Marçal (pistache) / Sheila Oliveira (cottage) / Ilustração: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital

Alimentos pobres em FODMAP

fodmap

<span class="hidden">–</span>Fotos: Yevgen Romanenko - Getty Images (queijo), Caio Ferrari (alecrim), Alex Silva (nozes)/Ilustração: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital

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FODMAP: sigla em alta na dieta Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

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