Duas a cada 10 gestantes não levam seus filhos para casa. Ou seja, há muitas mulheres com experiências dolorosas de maternidade e que, muitas vezes, não são reconhecidas pela sociedade. Elas sofrem, mas não são vistas. São as chamadas “mães de anjos”.
Hoje, 15 de outubro, é o Dia Internacional da Sensibilização ou Conscientização à Perda Gestacional e o tema ainda é um tabu. Não sabemos falar sobre essa dor e muito menos acolhê-la.
Apesar de ser comum, perder um filho nunca é normal. A desconstrução de um sonho e a experiência da perda trazem dores físicas e emocionais muitas vezes irreparáveis.
Para piorar, os protocolos médicos atuais ainda defendem rastreio de possíveis causas apenas após três perdas consecutivas. Isso significa que planos de saúde e mesmo o sistema público não autorizam exames investigatórios antes de tanto sofrimento.
Sem diagnóstico, não há prevenção
Estatisticamente, 80% das perdas gestacionais acontecem antes de 12 semanas de gravidez – a maioria tem causa genética e, de fato, é inevitável. Mas existem diversas causas previsíveis, como a trombofilia. Só que as medidas preventivas só são possíveis diante de um diagnóstico.
A normalização da perda de primeiro trimestre e a banalização da dor devem ser conscientizadas. Um filho que viveu por meses ou anos não é mais amado do que o que viveu durante algumas semanas. Um filho que não nasceu, não deixou de existir.
A assistência às mulheres que passam pelo aborto ou perdas gestacionais tardias é outro ponto que deve ser olhado e melhorado. Batalha-se muito pela humanização dos partos e nascimentos, mas a luta pela atenção à mãe enlutada é ainda maior.
É uma dor que não deixa marca roxa, não sangra. Visivelmente, são mães que estão bem, mas sofrem uma hemorragia de sentimentos. Sangram sem que ninguém perceba e é por isso que são também tão malcuidadas e desassistidas no momento da perda.
É inadmissível que essa mulher não tenha tempo para elaborar a notícia – notícia essa dada de forma muitas vezes nada empática. É preciso respeito e acolhimento. E é preciso também um olhar técnico, visando uma conduta mais conservadora de preservação da fertilidade.
Medidas intervencionistas, muitas vezes sem evidência científica ou indicação, como curetagem e cesarianas, parecem a via mais rápida para “acabar” com esse sofrimento, mas a morte de um filho não tem fim.
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O tempo da espera pela expulsão do embrião e a vivência do trabalho de parto são aspectos necessários não só para a saúde reprodutora daquela mulher, mas também para a despedida, entrega e conexão, onde se fecha um ciclo de vida e morte, de chegada e partida.
Todos esses cuidados são fundamentais para a elaboração de um luto mais saudável.
O luto é uma mistura de sentimentos desconexos, que vai da dor e raiva à tristeza, passando ainda pela negação, sensação de fracasso e incompetência. Sentimentos que se misturam numa roda viva, na tentativa de justificar a perda e de sobreviver a ela.
Ninguém que não tenha passado pelo luto de entregar o filho a Deus consegue quantificar o que uma mãe sente. Com o tempo a dor diminui. Mas um filho nunca passa. Mães de anjo são para a eternidade.
*Mônica Nardy é ginecologista e obstetra, mãe da Laís, do bebê-anjo Cecília e do arco-íris Túlio, diretora clínica da EME – Espaço Mulher Especializado e co-fundadora do Grupo Colcha, de apoio à perda gestacional e neonatal.
Um filho que não nasceu, não deixou de existir Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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